O QUE SÃO AS INDULGÊNCIAS?
Certa vez, um filho, mesmo conhecendo uma proibição
formal do pai, desobedece-o como costuma fazer as crianças travessas. O pai, ao
saber do ocorrido, vê-se na contingência de punir o faltoso, ainda que isto lhe
seja mais dilacerante do que para o próprio filho. Entretanto, ao ser
informada, a mãe pede clemência pelo pequeno traquina. Dado às instâncias
maternas, não é verdade que o pai cede, em atenção à misericórdia da esposa?
Neste caso, o pai de família concede uma indulgência ao filho, pelo valor da
intercessão maternal.
A Indulgência de Deus
A mesma situação pode ser aplicada ao gênero
humano, que na pessoa de Adão desobedeceu ao Pai Celeste. Por causa desta
transgressão as portas do Paraíso nos foram fechadas e nos tornamos réus de
morte. Entretanto, o Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade,
Nosso Senhor Jesus Cristo, conquistou para nós, na Cruz, a misericórdia que não
merecíamos. Diante de tamanha intercessão, Deus Pai se dobra amorosamente à
vontade do Filho, e poupa ao gênero humano: Deus nos é indulgente, pelo valor
da intercessão de Cristo.
Contudo, como é próprio a Deus de tudo fazer com a
mais exímia e amorosa excelência, imolou-se Deus Filho num sacrifício
perfeitíssimo, consumido no altar da Cruz, oferecendo seu Sangue para nos
resgatar. Mesmo sabendo que apenas uma gota de seu sangue adorável seria
infinitamente suficiente para remir toda a humanidade, Cristo bebeu até o fim o
Cálice amargo da Paixão, e verteu todo o seu Sangue, "ele o derramou -
ensina-nos o Papa Clemente VI - não como pequena gota de sangue, que todavia em
virtude da união ao Verbo teria sido suficiente para a redenção de todo o
gênero humano, mas de modo copioso", expiando assim em superabundância
os pecados dos homens. Esta exuberância no sacrifício da Cruz fez transbordar o
tesouro dos méritos de Cristo em favor da humanidade. Tal tesouro foi dado à
Igreja administrar, para consolo dos pecadores, "e para, por razões
piedosas e razoáveis, ser ministrado misericordiosamente aos verdadeiramente
penitentes e confessados, para total ou parcial remissão da pena temporal
devida pelos pecados".
Notamos, deste modo, que há um tesouro inexaurível
comprado por Cristo para ser distribuído aos pecadores, e a este montante
devemos ainda acrescentar os méritos da Santíssima Virgem Maria e de todos os
justos. Precisamente, quando nos é oferecido, chamamos a este tesouro de
indulgência.
Indulgências da Igreja
Como nos ensina o Catecismo da Igreja Católica[3],
por indulgência se entende a "remissão, perante Deus, da pena temporal
devida aos pecados, cuja culpa já foi apagada; remissão que o fiel devidamente
disposto obtém em certas e determinadas condições pela ação da Igreja, a qual,
enquanto dispensadora da redenção, distribui e aplica, por sua autoridade, o
tesouro das satisfações de Cristo e dos santos".
De fato, precisamos estar cientes que o pecado
acarreta uma dupla conseqüência. Quando é grave "priva-nos da comunhão com
Deus e, portanto, nos torna incapazes da vida eterna; tal privação se chama
‘pena eterna' do pecado"; esta primeira conseqüência é o que comumente
se chama de pecado mortal. Mortal, pois mata em nossa alma a caridade, a
vida da graça, ao se infringir gravemente a Lei de Deus. Este pecado desvia o
homem de seu próprio Criador, fazendo-o preferir e amar mais um bem inferior do
que a Deus mesmo. A pena para a alma que morre neste estado, que não aceita
o perdão divino, é a condenação eterna, o inferno, pois ela mesma não quererá
voltar-se para Deus e pedir-lhe perdão, terá feito uma escolha irreversível de
recusa a Deus. A segunda conseqüência é que, qualquer pecado, seja mortal ou
venial "acarreta um apego prejudicial às criaturas que exige purificação,
quer aqui na terra, quer depois da morte, no ‘purgatório'. Esta purificação
liberta da chamada ‘pena temporal' do pecado". Recordemos que o pecado
venial não mata a vida Divina na alma, porém enfraquece a caridade e predispõe
para o mortal, além de se traduzir pelo apego desordenado às criaturas, que
exigirá uma purificação.
No sacramento da penitência, ao ser absolvido, o
pecador é perdoado de suas faltas, não está mais privado da comunhão com Deus;
porém resta-lhe ser purificado da pena temporal, deste apego prejudicial às
criaturas que maculou sua alma. Esta purificação, como vimos, pode se dar após
a morte, no Purgatório, ou por uma misericórdia de Deus, ela pode ser apagada
ainda nesta vida pelas indulgências, que são o tesouro da satisfação de Cristo.
A parcela do tesouro dos méritos de cristo, nós a podemos receber de modo
parcial: quando apenas uma parte da pena temporal é apagada; ou de modo
plenário: quando ela é apagada inteiramente, é o que se chama de
indulgência parcial e indulgência plenária.
Como lucrar indulgências?
Todo fiel pode, desde que cumpra os requisitos
necessários, lucrar uma ou várias indulgências num mesmo dia, ou ao longo de
sua vida. Contudo, Sua Santidade Paulo VI na Constituição Apostólica
Indulgentiarum Doctrina sobre a revisão das indulgências, nos explica os
requisitos a serem cumpridos para se receber uma indulgência plenária:
"fazer uma obra enriquecida de indulgência e preencher as seguintes três
condições: confissão sacramental, comunhão eucarística e oração nas intenções
do Sumo Pontífice. Requer-se além disso rejeitar todo o apego ao pecado,
qualquer que seja, mesmo venial". Contudo, na falta de algum destes
requisitos o fiel pode lucrar uma indulgencia parcial, entretanto, não mais
plenária. Para se lucrar uma indulgência parcial requer-se ao fiel que cumpra a
obra prescrita para tal.
Papa Paulo VI
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No que tange à indulgência plenária, com seu
maternal desvelo, a Santa Igreja prevê as dificuldades que poderiam ocorrer
para se cumprir, num mesmo dia, todos os requisitos necessários a fim de
lucrá-la; desta maneira, anima-nos Sua Santidade Paulo VI: "As três
condições podem ser preenchidas em dias diversos, antes ou após a realização da
obra prescrita; mas convém que a comunhão e a oração nas intenções do Soberano
Pontífice se façam no mesmo dia em que se faz a obra". Outra prova
inequívoca da bondade de nossa mãe, a Santa Igreja, é o fato de que nós podemos
aplicar as indulgências que lucramos, tanto as parciais, como as plenárias, em
sufrágio pelas almas dos defuntos que estão no purgatório.
Antes mesmo de mostrar os modos concretos para se
lucrar as indulgências, cumpre lembrarmos um fato que ocorreu com Santa Teresa
de Jesus, para vermos a importância que se deve dar às indulgências. Certo
dia, extasiada e encantada, pôde a santa contemplar a alma de uma religiosa,
falecida naquele instante, e que subia radiante, diretamente para o Céu. O
curioso é que a bendita alma rumou para o Céu, sem sequer passar perto do
purgatório, sendo que muitos achavam que a falecida era uma freira comum, sem
maiores virtudes, e, por conseguinte, com suas falhas, como todos os homens,
pois como escreveu São João: "Se dizemos que não temos pecado,
enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós". O fato é que,
mais tarde, em um dos colóquios da grande Santa Teresa com Nosso Senhor, o
Divino Mestre explicou a ela o motivo do privilégio da freira defunta. Contou o
Senhor Jesus que aquela alma sempre teve grande confiança nas indulgências
concedidas pela Igreja; e sempre se esforçou para ganhar o maior número delas.
Como vemos, a freira soube usar do tesouro que a Igreja maternalmente põe à
nossa disposição para, após a morte, irmos diretamente ao Céu.
Como obter uma indulgência parcial?
Após termos visto o que são as indulgências, as
disposições e as condições necessárias para recebê-las, concluiremos este
artigo vendo quais obras devem ser observadas por um fiel a fim de
lucrá-las.
Santa Teresa de Jesus
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Se pode lucrar indulgência parcial quando se cumpre
seus deveres e se tolera, à imitação de Cristo, as aflições de nossas vidas,
elevando a Deus o espírito com alguma piedosa invocação, mesmo que seja apenas
em pensamento. Ao alcance de todos, esta indulgência pode ser facilmente
recebida. Com efeito, todos nós, em qualquer situação em que nos encontramos -
seja o de religioso, casado, solteiro, ou ainda um trabalhador, um estudante,
etc... - todos encontramos dificuldades e aflições, cada um em seu âmbito
específico, porém ninguém escapa. O que é preciso é elevarmos nossos espírito e
oferecer tudo a Deus, seja rezando (por exemplo: Ave-Maria, Pai-Nosso, Credo),
seja pensando piedosamente Nele, para lucramos tantas indulgências quanto o
número de oferecimentos que fizermos.
Também quando, com espírito de fé e com
misericórdia, um fiel dispõe de seus bens, ou ainda de si mesmo, em atenção e
serviço aos mais necessitados. Quando excuta uma obra de caridade. Contudo,
para que lucre a indulgencia parcial, é preciso que tal obra caritativa esteja
mesmo voltada para o serviço dos irmãos mais carentes. Nisto percebemos que
mais lucra quem dá do que quem recebe, pois, o que são os bens materiais em
comparação com a libertação ou diminuição das penas temporais?
Lucra ainda indulgência parcial o fiel que,
espontaneamente, com espírito de penitência, se abstém das coisas que são
inteiramente lícitas e agradáveis. Com isto, o fiel é ajudado a refrear suas
más inclinações, e, sujeitando seu corpo, se conforma mais estritamente a
Cristo. Estes são os pequenos sacrifícios do dia-a-dia, que podemos oferecer a
Deus e por amor a Ele nas mais variadas circunstâncias: sendo solícito para com
um irmão que nos pede algo que é de si árduo, tendo paciência com os demais,
sendo obedientes às autoridades competentes, sobretudo quando nos pedem algo de
difícil - porém nunca para algo contrário à moral -, não comendo uma deliciosa
sobremesa, etc...
Recebe indulgência parcial, todo fiel que professa
publicamente sua fé, quando dá livremente um testemunho de fé diante dos
demais, nas circunstâncias particulares da vida no dia-a-dia.
Também outros atos ou orações nos fazem lucrar
indulgências parciais, como: a recitação de ladainhas (as devidamente aprovada
pela autoridade eclesiástica), o "Creio em Deus", o
"Magnificat" (Minha alma engrandece o Senhor, Lc. 46-55), a
"Salve Rainha", o "Lembrai-vos ó piíssima Virgem Maria", a
oração ao Anjo da Guarda (Santo Anjo do Senhor), o Salmo 50 (Senhor tem
piedade, segundo a vossa bondade), o sinal da Cruz, uma comunhão espiritual,
visitas breves ao Santíssimo Sacramento para adorá-lo, entre outras orações. O
mesmo para os fiéis que portam devota e religiosamente alguns objetos de
piedade, como: crucifixo, cruz, terço, escapulário, medalha. Note-se que estes
objetos devem estar validamente abençoado. Entretanto, se o objeto foi bento
pelo Santo Padre, o Papa, ou por um bispo, o fiel que o porta devotamente
obterá uma indulgência plenária, no dia da festa dos Santos Apóstolos Pedro e
Paulo (29 de junho), sendo preciso fazer uma profissão de fé sob forma
legítima, como a recitação do "Creio em Deus".
Indulgências plenárias
Há ainda as indulgência ditas plenárias, que, como
vimos, apagam totalmente as penas temporais - daí seu valor intrínseco ser
maior. Para lucrá-las cumpre também observar os três requisitos que mais acima
mencionamos, bem como desapegar-se de todo tipo de pecado. Ganha-se uma
indulgência plenária quando:
- Se faz uma adoração ao
Santíssimo Sacramento de ao menos meia hora.
- Se faz a leitura das Sagradas
Escrituras por ao menos meia hora, com a devida veneração e à maneira de
leitura espiritual. Note-se que deve ser um texto aprovado pela autoridade
competente. Ao fiel impossibilitado de ler por si, poderá lucrar a indulgência
quando outro ler para ele, ou quando ele acompanhar uma leitura da Bíblia em
áudio ou em vídeo.
- Se reza o rosário de Nossa
Senhora numa igreja, numa capela ou oratório, ou ainda em família ou numa
comunidade religiosa.
- Quando se recebe com piedade e
devoção a bênção dada pelo Papa, urbi et orbi, para Roma e o mundo, também é
válida a bênção que for ouvida na rádio, acompanhada na televisão, ou ainda se
for acompanhada mentalmente (mais uma faceta da maternal bondade da Santa
Igreja).
- Ao fiel que se dedicar a
aprender ou ensinar a reta doutrina cristã. Grande incentivo para crescermos
nos conhecimentos Divinos e no amor a Deus.
- Ao fiel que participar
piedosamente de uma solene procissão eucarística.
- Ao fiel que, na Sexta-Feira
Santa, participar da adoração da Santa Cruz, na solene celebração litúrgica.
- Aos fieis que fazem sua
primeira comunhão, e ainda aos que assistem a uma cerimônia de primeira
comunhão.
- Ao sacerdote que, no dia
marcado, celebra sua primeira Santa Missa, bem como para os fiéis que a
assistirem.
- Ao fiel que, na celebração da
Vigília Pascal, ou no dia do aniversário de seu batismo, renovar suas promessas
batismais por alguma forma legitimamente aprovada[18].
- Há ainda as indulgências
plenárias que qualquer um de nós pode receber, porém que são aplicáveis somente
às almas do purgatório, quando: visitar devotamente um cemitério entre os dias
primeiro e oito de novembro, e lá rezar pelos defuntos. Ou quando no dia dois
de novembro (dia dos fiéis defuntos), visitar uma igreja ou um oratório e aí
rezar um Creio em Deus e um Pai-Nosso.
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