Os mortos estão
dormindo?
“E o pó volte à terra, como era, e o
espírito volte a Deus que o deu” (Ecl 12,7).
Introdução
Nos tempos da Idade Média, um pequeno grupo
ensinava uma doutrina que ficou conhecida como Psicopaniquia, isto é, sono da
alma após a morte. Nos tempos da Reforma Protestante, os Anabatistas retomaram
esta doutrina. Com o fim dos Anabatistas, a Psicopaniquia, retornou aos
círculos cristãos com o surgimento dos Adventistas do Sétimo Dia. Esta doutrina
nega que o homem seja formado por alma espiritual e corpo material, reduzindo o
homem a um corpo que é animado ou mantido somente por funções orgânicas.
Veremos se tal postulado encontra amparo nas Sagradas Escrituras e na Tradição
dos Apóstolos.
A realidade
dualística do homem
No livro do Gênesis encontramos a
história da criação do mundo e dos seres viventes. Diz o Gênesis que "O
Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas
narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente" (Gn
2,7) (grifos meus).
Neste versículo encontramos a primeira
prova da natureza dualística do homem: a carne formada ?do barro da terra?
e seu espírito que é "um sopro de vida". Somente depois de
dadas as duas coisas, diz o Gênesis que "o homem se tornou um ser
vivente".
Com efeito, sopro em hebraico é "nashamah".
É a mesma palavra usada no Deuteronômio onde lemos: "Quanto às cidades
daqueles povos cuja possessão te dá o Senhor, teu Deus, não deixarás nelas alma
viva [nashamah]" (Dt 20,16). Ver também 1 Reis 15,29.
Muitos são os exemplos na Escritura
onde "nashmah" denota claramente o espírito que Deus deu ao
homem, infiltrado no corpo humano através das suas narinas (cf. Gn 2,7) no momento
da criação.
A inteligência da
alma
Não é por acaso que a Psicologia estuda
as faculdades intelectuais humanas. A palavra que no português conhecemos por
"alma" não existe no hebraico. "Alma" vem do grego
"psychein" que significa "soprar". Deste verbo grego vem a
palavra "psique" que significa "sopro", que é raiz
da palavra "psicologia".
A etimologia da palavra
"psicologia" nos remete à inteligência presente no espírito humano
("sopro"), pela qual recebemos nossas faculdades intelectuais.
Com efeito, a própria Revelação de Deus
mostra que é pelo seu espírito que o homem possui inteligência, conforme vimos
em Prov 20,27. A mesma verdade encontramos em Jó: "mas é o Espírito de
Deus no homem, e um sopro [nashmah] do Todo-poderoso que torna inteligente"
(Job 32,8).
Embora as faculdades do corpo como
tato, olfato, audição e visão sejam responsáveis pela nossa interação com o
mundo, é pelo espírito que temos inteligência; é dele que vem a nossa razão.
Por isso, sobre o espírito humano
escreveu Salomão: "O espírito [nashamah] do homem é uma
lâmpada do Senhor: ela penetra os mais íntimos recantos das entranhas"
(Prov 20,27).
Concordando com Salomão, São Paulo ao
escrever aos Romanos faz a relação entre espírito e razão: "Assim,
pois, de um lado, pelo meu espírito, sou submisso à lei de Deus; de
outro lado, por minha carne, sou escravo da lei do pecado" (Rm 7,26)
(grifos meus).
As referências acima provam que o
espírito humano é dotado de faculdades intelectuais.
A consciência dos
mortos
Os psicopaniquianos negam a existência
da alma. Para eles, homem é como um animal, sem alma, diferindo deste por
possuir um cérebro mais evoluído (responsável pelas faculdades intelectuais) e
também porque irá ressuscitar no dia do Juízo Final. Como vimos, tal tese é
fortemente discordante dos ensinamentos bíblicos sobre o espírito humano.
Há aqueles que acreditam na existência
da dualidade humana (espírito e corpo material), mas que ensinam que após a
morte, a alma humana está sem consciência, pelo fato de lhe faltar o corpo que
lhe comunicam os sentidos.
Primeiramente, como já dissemos, os
sentidos comunicam o mundo material com o espírito humano. As faculdades
intelectuais da alma independem do corpo. É por esta razão, que a Igreja
Católica se opõe à morte dos anacéfalos (crianças que nascem sem cérebro), pois
o homem não pode ser reduzido ao corpo, embora sem ele não esteja completo.
Os defensores do sono da alma
apresentam os seguintes textos para defender sua tese:
"Enquanto [Jesus] ainda falava,
chegou alguém da casa do chefe da sinagoga, anunciando: Tua filha morreu. Para
que ainda incomodas o Mestre? Ouvindo Jesus a notícia que era transmitida,
dirigiu-se ao chefe da sinagoga: Não temas; crê somente. E não permitiu que
ninguém o acompanhasse, senão Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. Ao chegar à
casa do chefe da sinagoga, viu o alvoroço e os que estavam chorando e fazendo
grandes lamentações. Ele entrou e disse-lhes: Por que todo esse barulho e esses
choros? A menina não morreu. Ela está dormindo" (Mc 5,35-39)
(grifos meus).
Ver também Mt 9,23-25 e Jo 11,11-14.
Ora, todos hão de concordar que a
Sagrada Escritura é coesa em seu ensinamento doutrinal, embora sua letra muitas
vezes se apresente contraditória aos olhos humanos. Porém essa contradição é
aparente, normalmente quando o texto é lido fora de seu contexto.
È o próprio Cristo que numa parábola
ensina que as almas dos falecidos não estão dormindo:
"Havia também um mendigo, por
nome Lázaro, todo coberto de chagas, que estava deitado à porta do rico. Ele
avidamente desejava matar a fome com as migalhas que caíam da mesa do rico...
Até os cães iam lamber-lhe as chagas. Ora, aconteceu morrer o mendigo e ser
levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado.
E estando ele [o rico] nos tormentos do inferno, levantou os olhos e
viu, ao longe, Abraão e Lázaro no seu seio. Gritou, então: - Pai Abraão,
compadece-te de mim e manda Lázaro que molhe em água a ponta de seu dedo, a fim
de me refrescar a língua, pois sou cruelmente atormentado nestas chamas.
Abraão, porém, replicou: - Filho, lembra-te de que recebeste teus bens em vida,
mas Lázaro, males; por isso ele agora aqui é consolado, mas tu estás em
tormento. Além de tudo, há entre nós e vós um grande abismo, de maneira que, os
que querem passar daqui para vós, não o podem, nem os de lá passar para cá. O
rico disse: - Rogo-te então, pai, que mandes Lázaro à casa de meu pai, pois
tenho cinco irmãos, para lhes testemunhar, que não aconteça virem também eles
parar neste lugar de tormentos. Abraão respondeu: - Eles lá têm Moisés e os
profetas; ouçam-nos! O rico replicou: - Não, pai Abraão; mas se for a eles
algum dos mortos, arrepender-se-ão. Abraão respondeu-lhe: - Se não ouvirem a
Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite
algum dos mortos " (Lc 16,20-31) (grifos meus).
Conforme o ensinamento do Senhor,
aqueles que morrem na amizade de Deus são levados "pelos anjos ao seio
de Abraão", isto é, para o lugar dos justos. Enquanto os que morreram
na inimizade de Deus estão "nos tormentos do inferno".
O diálogo que há entre Abraão, Lázaro e
o rico, mostra a consciência das almas após a morte, caso contrário não
estariam dialogando.
Devemos nos lembrar que Jesus após a
morte foi pregar o Evangelho às pessoas que morreram no tempo de Noé:
"Pois também Cristo morreu uma
vez pelos nossos pecados - o Justo pelos injustos - para nos conduzir a Deus.
Padeceu a morte em sua carne, mas foi vivificado quanto ao espírito. É neste
mesmo espírito que ele foi pregar aos espíritos que eram detidos no cárcere,
àqueles que outrora, nos dias de Noé, tinham sido rebeldes, quando Deus
aguardava com paciência, enquanto se edificava a arca, na qual poucas pessoas,
isto é, apenas oito se salvaram através da água" (1Pe 3,18-20).
Ora, se a alma não
existe ou está dormindo não faria o menor sentido Jesus ir pregar para elas, já
que segundo nossos contendores, o homem após a morte só pode esperar a
ressurreição. Temos provas da consciência dos mortos também em Ap 6,9-11 e Ap
20,4.
Infortúnio dos ímpios
ou sono da alma?
Os adeptos do sono da alma ou da
inconsciência dos mortos fundamentam sua tese principalmente nos versículos do
Eclesiástico: "Com efeito, os vivos sabem que hão de morrer, mas os
mortos não sabem mais nada; para eles não há mais recompensa, porque sua lembrança
está esquecida" (Ecl 9,5), ou ainda "Tudo que tua mão encontra
para fazer, faze-o com todas as tuas faculdades, pois que na região dos mortos,
para onde vais, não há mais trabalho, nem ciência, nem inteligência, nem
sabedoria" (Ecl 9,10). Para eles estes versículos são prova da
inconsciência dos mortos.
Primeiramente, o livro do Eclesiastes
trata da reflexão sobre a instabilidade da vida humana e a dúvida sobre o
destino tanto dos justos quanto dos ímpios. Com efeito, o assunto tratado neste
livro só encontra seu termo no livro da Sabedoria de Salomão, e sem este, o
Eclesiastes está incompleto. Assim como a Revelação do Pentateuco encontra seu
termo nos livros do tempo dos Juízes (Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel), o Livro da
Sabedoria vem completar o que o Eclesiastes introduziu, mas que deixou em
aberto.
O Livro da Sabedoria não se encontra
nas Bíblias protestantes, isto limita a exposição da Verdade, já que escrevemos
não só para católicos e ortodoxos (que aceitam como sagrado este livro), mas
para todos os cristãos. Porém, isso não impede nosso trabalho. Pois, assim como
os vegetarianos privam seu corpo de certas proteínas por causa de sua abstenção
voluntária de carne, mas ainda sim podem ser nutridos por causa das vitaminas
presentes nos vegetais; da mesma forma, ainda é possível expormos a Verdade
através dos livros consensualmente aceitos. Melhor seria se todos aceitassem
todas as fontes de alimento dispostas pelo Senhor, seja espiritual quanto
material.
Em segundo lugar, a região dos mortos
tratada no livro do Eclesiastes não é o lugar para onde se destinam todos os
mortos, mas somente os ímpios. Tal é o testemunho do salmista: ?Minha alma
está muito perturbada; vós, porém, Senhor, até quando?... Voltai, Senhor, livrai
minha alma; salvai-me, pela vossa bondade. Porque no seio da morte não há
quem de vós se lembre; quem vos glorificará na habitação dos mortos?"
(Sl 6,3-6) (grifos meus).
Aqui o salmista pode a salvação de Deus
(?livrai minha alma, salvai-me?), pois não deseja ter o mesmo destino dos ímpios,
que estão longe de Deus e por estarem longe, não podem se lembrar do Senhor e
nem glorificá-lo, pois já estão perdidos.
Este mesmo ensino é confirmado em outro
salmo: "Acaso vossa bondade é exaltada no sepulcro, ou vossa fidelidade
na região dos mortos? Serão nas trevas manifestadas as vossas
maravilhas, e vossa bondade na terra do esquecimento?" (Sl
87,12-13) (grifos meus). Como se vê, a ?região dos mortos? na Escritura trata
do destino dos ímpios (cf. Sl 9,18; Sl 30,18; Sl 54,16; Sl 87,4; Pr 5,1-5).
Mas, outro é o destino dos justos,
conforme nos ensina Salomão: "O sábio escala o caminho da vida, para
evitar a descida à morada dos mortos" (Pr 15,24) ou ainda: "Não
poupes ao menino a correção: se tu o castigares com a vara, ele não morrerá,
castigando-o com a vara, salvarás sua vida da morada dos mortos" (Pr
23,13-14).
Ora, se o justo após a morte não vai
para a "região dos mortos" ou "morada dos mortos" para onde
vai? Trataremos disto mais à frente, antes é preciso expormos o que significa o
"sono" dos mortos do qual se referiu Jesus (cf. Mc 5,35-39; Mt
9,23-25; Jo 11,11-14).
Bem-aventurança dos justos
Quando a Escritura diz que alguém que
morreu está dormindo, ou descansando, está se referindo à bem-aventurança
alcançada por ter morrido na amizade de Deus, e não porque a alma esteja
dormindo.
Na linguagem semítica utilizada pela
Bíblia, o prêmio daqueles que permanecem fiéis a Deus é comparado a um
descanso.
Os israelitas passaram 40 anos no
deserto, após o Senhor tê-los libertado do cativeiro no Egito. Devido à grande
murmuração do povo, nem todos chegaram à Terra Prometida. É o que recorda o
Salmista:
"Não vos torneis endurecidos
como em Meribá, como no dia de Massá no deserto, onde vossos pais me provocaram
e me tentaram, apesar de terem visto as minhas obras. Durante quarenta anos
desgostou-me aquela geração, e eu disse: É um povo de coração desviado, que não
conhece os meus desígnios. Por isso, jurei na minha cólera: Não hão de
entrar no lugar do meu repouso" (Sl 94,8-11) (grifos meus).
Também ensinou Isaías: "Aquele
que à direita de Moisés atuou com o seu braço glorioso, e dividiu as águas
diante dos seus para assegurar-se um renome eterno; e os conduziu através dos
abismos, sem tropeçarem, como o cavalo em descampado. Como ao animal que desce
ao vale, o espírito do Senhor os levava ao repouso. Foi assim que
conduzistes vosso povo, para afirmar vosso glorioso renome" (Is
63,12-14).
O início desta teologia se encontra em
Deuteronômio: "Quando tiverdes passado o Jordão e vos tiverdes
estabelecido na terra que o Senhor, vosso Deus, vos dá em herança, e ele vos
tiver dado repouso, livrando-vos dos inimigos que vos cercam, de sorte que
vivais em segurança" (Dt 12,10) (grifos meus).
Povo chegou ao Jordão pelo comando de
Josué, sucessor de Moisés. Moisés foi proibido de entrar na Terra Prometida por
ter quebrado as primeiras tábuas dos Dez Mandamentos (cf. Ex 32,19; Dt
32,50-52; Dt 34,1-4).
Josué, testemunha em seu livro o
cumprimento da promessa do Senhor: "E o Senhor deu-lhes repouso em
todo o derredor de sua terra, como tinha jurado a seus pais; nenhum
dos seus inimigos pôde resistir-lhes, pois o Senhor entregou-os todos nas suas
mãos" (Js 21,44) (grifos meus).
A peregrinação que os Israelitas
fizeram no deserto durante 40 anos e a posse da Terra Prometida dada aos fiéis,
é figura da nossa peregrinação terrestre, na qual os que vencerem tomarão posse
da Pátria do Povo de Deus, isto é, o Céu.
Este é o ensinamento que encontramos na
Carta aos Hebreus:
"Se, pois, ele repete: Não
entrarão no lugar do meu descanso [cf. Sl 94,11], é sinal de que outros
são chamados a entrar nele. E como aqueles a quem primeiro foi anunciada a
promessa não entraram por não ter tido a fé, Deus, após muitos anos, por meio
de Davi, estabelece um novo dia, um hoje, ao pronunciar as palavras
mencionadas: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações. Se
Josué lhes houvesse dado repouso, não teria depois disso falado dum outro dia.
Por isso, resta um repouso sabático para o povo de Deus. E quem entrar nesse
repouso descansará das suas obras, assim como descansou Deus das suas. Assim,
apressemo-nos a entrar neste descanso para não cairmos por nossa vez na mesma
incredulidade. Porque a palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante do
que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da alma e do corpo,
das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração"
(Hb 4,5-12) (grifos meus).
O autor chama o prêmio dos justos de
"repouso sabático" pois o compara com o descanso de Deus após
a criação, que se deu num sábado.
A Carta aos Hebreus, além de confirmar
que o sono, repouso ou descanso dos justos é a posse da bem-aventurança, também
dá testemunho da realidade dualística do homem: alma e corpo.
O ensinamento desta epístola é
confirmado pelo salmista: "Apenas me deito, logo adormeço em paz,
porque a segurança de meu repouso vem de vós só, Senhor" (Sl
4,9).
Também ensinou o Profeta Isaías: "Porque
aqui está o que disse o Senhor Deus, o Santo de Israel: É na conversão e na
calma que está a vossa salvação; é no repouso e na confiança que reside
a vossa força" (Is 30,15).
Por isso que Jesus ao ressuscitar a
filha do centurião (Mc 5,35-39), a filha do chefe da sinagoga (Mt 9,23-25) e
Lázaro (cf. Jo 11,11-14), diz que estão dormindo. Pois, morreram na amizade de
Deus. Se fossem ímpios Jesus não os ressuscitaria, pois já estariam perdidos.
Mas, antes mortos e agora ressuscitados, serviriam como testemunhas da
Majestade de Jesus, tanto por terem visto o Céu quanto por serem ressurretos.
O destino do espírito
após a morte do corpo
Veja o que ensina o Salmo: "Este
é o destino dos que estultamente em si confiam, tal é o fim dos que só vivem em
delícias. Como um rebanho serão postos no lugar dos mortos; a morte é
seu pastor e os justos dominarão sobre eles. Depressa desaparecerão suas
figuras, a região dos mortos será sua morada. Deus, porém, livrará
minha alma da habitação dos mortos, tomando-me consigo" (Sl
48,14-16) (grifos meus).
Como vimos o Salmo ensina que o justo é
tomado por Deus, isto é, seu destino é o Céu.
Interessante é também notar que aqueles
que citam os versículos 5 e 10 do capítulo 9 do Eclesiástico, parecem que não
terminaram de ler esse livro. Com efeito, no último capítulo encontramos a
confirmação do ensinamento do salmo 48: "E o pó volte à terra, como
era, e o espírito volte a Deus que o deu" (Ecl 12,7) (grifos
meus).
Vimos no Gênesis que Deus formou Adão
do pó da terra e depois lhe deu o espírito. Segundo o Eclesiastes, o corpo dos
mortos (pó) volta à terra e o espírito vai para Deus.
Jesus na parábola do Lázaro e do rico
(cf. Lc 16,20-31) ensina que o justo é levado à presença de Deus pelos anjos,
enquanto o ímpio é jogado no inferno. Estamos falando do espírito humano, pois
os dois ressuscitarão no Dia do Senhor (volta de Cristo); o primeiro para a
Glória Eterna, o segundo para o Castigo Eterno.
"Mas, cheio do Espírito Santo,
Estêvão fitou o céu e viu a glória de Deus e Jesus de pé à direita de Deus: Eis
que vejo, disse ele, os céus abertos e o Filho do Homem, de pé, à direita de
Deus. Levantaram então um grande clamor, taparam os ouvidos e todos juntos se
atiraram furiosos contra ele. Lançaram-no fora da cidade e começaram a
apedrejá-lo. As testemunhas depuseram os seus mantos aos pés de um moço chamado
Saulo. E apedrejavam Estêvão, que orava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu
espírito" (At 7,55-59) (grifos meus).
Com efeito, Santo Estêvão sabia que seu
espírito não estaria dormindo após sua morte, mas que seria levado a Deus.
São Paulo também ensinou que os
espíritos dos justos estão na presença de Deus: "Estamos, repito,
cheios de confiança, preferindo ausentar-nos deste corpo para ir habitar
junto do Senhor. É também por isso que, vivos ou mortos, nos
esforçamos por agradar-lhe" (2 Cor 5,8-9).
Como poderiam os justos esforçarem-se
para agradar a Deus após a morte se estivessem dormindo? Ou ainda, como
poderiam ausentar-se do corpo e "ir habitar junto do Senhor"
se o espírito dos justos não voltassem para Deus que os deu (cf. Ecl 12,7)?
Testemunhos Primitivos
Agora traremos à tona a Memória Cristã,
transcrevendo alguns testemunhos primitivos sobre a Fé recebida dos Apóstolos
sobre a consciência dos mortos.
?Portanto, supliquemos também nós
pelos que se encontram em alguma falha, a fim de que lhe sejam concedias
moderação e humildade, e para que cedam, não a nós, e sim à vontade de Deus.
Então, quando nos lembrarmos deles com espírito de misericórdia diante de
Deus e dos santos, nossa oração produzirá frutos e será perfeita [...]?
(Primeira Carta de Clemente aos Coríntios, 56. São Clemente, Papa. 90
d.C) (grifos meus).
São Clemente foi discípulo pessoal de
São Paulo (cf. Fl 4,3) e o terceiro sucessor de São Pedro, no Episcopado da
Igreja de Roma. Ora, se para os primeiros cristãos os justos estivessem
?dormindo?, ele não pediria aos fiéis para apresentarem suas orações diante de
Deus e dos santos.
?Meus espírito se sacrifica por vós,
não somente agora, mas também quando eu chegar a Deus [...]? (Carta
ao Tralianos, 13. Santo Inácio, Bispo de Antioquia. 107 d.C) (grifos meus).
Santo Inácio foi discípulo pessoal de
Pedro e Paulo. Era também chamado pelos antigos cristãos de Teósforo, que
significa "Carregado por Deus", por ser a criança que Cristo pega no
colo em Mc 9,36. Com efeito, se os Apóstolos Pedro e Paulo tivessem ensinado a
Inácio que os mortos ?dormem?, ele não acreditaria que os justos estão diante
de Deus intercedendo pelos que ainda não completaram o caminho da vida (cf. Ap
6,9-11; Ap 20,4). Mas, ele não só crê, mas ensina que quando chegar ao Céu
estará ainda a serviço de Deus pelos que estão aqui na terra.
"Portanto, eu vos exorto a
todos, para que obedeçais à palavra da justiça e sejais constantes em toda a
perseverança, que vistes com os próprios olhos, não só nos bem-aventurados
Inácio, Zózimo e Rufo, mas ainda em outros que são do vosso meio, no próprio
Paulo e nos demais apóstolos. Estejam persuadidos de que nenhum desses correu
em vão, mas na fé e na justiça, e que eles estão no lugar que lhes é devido
junto ao Senhor, com o qual sofrefram. Eles não amaram este mundo, mas
aquele que morreu por nós e que Deus ressuscitou para nós" (Segunda
Carta aos Filipenses, 9. São Policarpo, Bispo de Esmirna. 160 d.C) (grifos
meus).
São Policarpo, foi discípulo pessoal de
São João Apóstolos e segundo a Tradição, instituído pelo próprio São João,
Bispo de Esmirna (na Turquia). Assim como São Clemente e Santo Inácio, São
Policarpo, outro discípulo pessoal dos apóstolos não ensinou o "sono da
alma". Mas que após a morte os justos se encontram "no lugar que
lhes é devido junto ao Senhor".
"O Senhor ensinou clarissimamente
que as lamas não só perduram sem passar de corpo em corpo, mas conservam
imutadas as características dos corpos em que foram colocadas e se lembram
das ações que fizeram aqui na terra e daquelas que deixaram de fazer. É o
que está escrito na história do rico e de Lázaro que repousava no seio de
Abraão. Nela se diz que o rico, depois da morte, conhecia tanto Lázaro como
Abraão e que cada um estava no lugar a ele destinado. O rico pedia a Lázaro, ao
qual tinha recusado até as migalhas que caíam de sua mesa, que o socorresse;
com a sua resposta, Abraão mostrava conhecer não somente Lázaro, mas também o
rico e ordenava que aqueles que não quisessem ir para aquele lugar de tormentos
escutassem Moisés e os profetas antes de esperar o anúncio de alguém ressuscitado
dos mortos. Tudo isso supõe clarissimamente que as almas permanecem, sem passar
de corpo em corpo, que possuem as características do ser humano, de sorte
que podem ser reconhecidas e que se recordam das coisas daqui de baixo; que
também Abraão possuía o dom da profecia e que cada alma recebe o lugar merecido
mesmo antes do dia do juízo" (Contra as Heresias, II,34,1.
Santo Ireneu, Bispo de Lião. 202 d.C.) (grifos meus).
Santo Ireneu foi discípulo de São
Policarpo. Com sua ortodoxia, ele combate de uma só vez os erros da
reencarnação, da inconsciência da alma e da negação do juízo particular pelo
qual todos passam logo após a morte.
Há muitos outros testemunhos dos
discípulos pessoais dos apóstolos, mas transcrevi aqui as palavras daqueles que
os antigos consideravam os mais importantes e fiéis à Tradição dos Apóstolos.
Conclusão
A pregação dos Apóstolos é o fundamento
da nossa fé, conforme ensinou São Paulo: "Conseqüentemente, já não sois
hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família
de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo
por pedra angular o próprio Cristo Jesus" (Ef 2,19-20) (grifos meus).
As Sagradas Letras são pedras que foram
bem dispostas conforme a Arquitetura que Cristo confiou a seus Apóstolos,
resultando no edifício da Fé. Mas o inimigo promove outro tipo de construção,
convencendo muitas pessoas sinceras, pois utiliza as mesmas pedras, porém, com
planta diversa daquela deixada pelos Apóstolos.
Ora, os Apóstolos constituíram bispos
no mundo inteiro, deixaram seus discípulos para darem continuidade à sua obra.
Com efeito, São Paulo ensinou: "Segundo a graça que Deus me deu, como
sábio arquiteto lancei o fundamento, mas outro edifica sobre ele" (1
Cor 3,10).
Vimos que os
discípulos dos Apóstolos deram continuidade à obra de seus mentores,
fundamentando-se na Fé da consciência da alma e não no "sono" desta.
Este é o testemunho da Sagrada Escritura e da Memória Cristã.