quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Maria do Advento


Dom Francisco de Assis Dantas de Lucena
Bispo Diocesano de Guarabira
Secretário da CNBB - Regional Nordeste 2



É significativa a ligação da Virgem Maria com o tempo litúrgico do advento. A palavra “advento” significa “está para vir”. Assim, o tempo do Advento é a vivência do mistério da espera em preparação da vinda de Cristo. Este tempo tem, sem dúvida alguma, um sabor mariano. Com a Virgem Maria aprendemos a esperar o Sol que nasce da Aurora, o Cristo, nosso Deus! Então, neste tempo de espera, é muito conveniente celebrar a Solenidade da Imaculada Conceição de Maria, a Virgem. Muitas comunidades já celebram. E, ao celebrar esta solenidade, a Igreja nos convida a refletir sobre nossa origem e nosso destino. Exemplar único da humanidade perfeita e isenta de pecado, Maria nos recorda o que seríamos, se não fosse nossa rebeldia para com Deus. Pois, a Virgem Maria, desde o primeiro momento em que foi concebida no seio de sua mãe, foi preservada por Deus da solidariedade com o pecado. Nós já nascemos marcados de morte; ela, desta marca de pecado, foi preservada; nós precisamos ser arrancados da lama do pecado, graças à cruz do Cristo; ela, pela cruz do Cristo, foi liberta desde a origem e sequer foi tocada pelo pecado; nós fomos redimidos do pecado, ela foi ainda mais perfeitamente redimida porque, pelos méritos da Paixão do Senhor, sequer experimentou esta situação de pecado. Desde o ventre materno, desde o primeiro instante de sua concepção, o Senhor a libertou, graças aos méritos de Cristo. Ela, a Virgem, pode ser chamada Toda Santa, isto é, Toda Santificada. A Igreja crê nesta Concepção Imaculada da Mãe de Jesus e com ela se alegra. E crê, fundamentada na Escritura Sagrada. Não é a Palavra de Deus que afirma que o Senhor colocou uma inimizade de morte entre a Serpente e a Mulher, entre a descendência de Serpente e a da Mulher? Quem é esta Mulher? Não é aquela a quem Jesus chama Mulher em Caná e ao pé da cruz? Não é aquela de quem São Paulo diz: “Quando chegou a plenitude dos tempos, enviou Deus o seu Filho nascido de Mulher? A Virgem não é imaculada por seus próprios méritos, mas pelos méritos daquele que, nascido de suas entranhas benditas, venceu a antiga Serpente e destruiu o antigo Inimigo. Mais que ninguém, a Virgem é devedora a Cristo: Ele a escolheu, Ele a preservou, Ele a sustentou, Ele teve por ela uma predileção inigualável. Em Cristo, o pecado pode ser vencido! A Conceição Imaculada de Maria é sinal belíssimo desta vitória! Alegremo-nos, porque a Imaculada Conceição de Nossa Senhora é o feliz princípio e a primeira aurora da salvação que o Senhor Jesus nos traz! É muito importante, neste advento, celebrar a Conceição Imaculada da Virgem Maria. Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós.

DEUS PROÍBE A CONFECÇÃO DE IMAGENS?

  • “Farás também dois querubins de ouro;
  • de ouro batido os farás, nas duas extremidades do propiciatório.” (Ex 25,18)

Muitas vezes andando nas ruas encontramos pessoas vestidas com ternos e com uma Bíblia na mão, ensinando que usar imagens em igrejas é idolatria.
Por este motivo costumam chamar os católicos de idólatras, isto é, adoradores de ídolos, que quer dizer adoradores de falsos deuses. E ainda acusam a Igreja Católica de ensinar a adoração destas imagens.
Os protestantes encaram o uso das imagens sacras como um insulto ao mandamento divino que consta em Ex 20,4 que proíbe a confecção delas.
A Igreja Católica sempre defendeu o uso das imagens. Estaria a Igreja Católica desobedecendo a ordem divina em Ex 20,4?
A Igreja Católica é a única Igreja que tem ligação direta com os apóstolos de Cristo, sendo ela a guardiã da doutrina ensinada por eles e por Cristo, sem lhe inculcar qualquer mudança. Se ela quisesse mesmo agir contra a ordem divina, teria adulterado a Bíblia nas passagens em que há a condenação das imagens.
Na Bíblia católica - pois a Bíblia protestante não contém sete livros relativos ao Velho Testamento- o Livro da Sabedoria condena como nenhum outro a idolatria (Sb 13-15). Não poderia a Igreja repudiar o livro como fizeram os protestantes?
Na Sagrada Escritura há outras passagens que condenam a confecção de imagens como, por exemplo:
Lv 26,1; Dt 7,25; Sl 97,7 e etc. Mas também há outras passagens que defendem sua confecção como: Ex 25,17-22; 37,7-9; 41,18; Nm 21,8-9; 1Rs 6,23-29.32; 7,26-29.36; 8,7; 1Cr 28,18-19; 2Cr 3,7,10-14; 5,8; 1Sm 4,4 e etc.
Pode Deus infinitamente perfeito entrar em contradição consigo mesmo? É claro que não. E como podemos explicar esta aparente contradição na Bíblia?
Isto é muito simples de ser explicado. Deus condena a idolatria e não a confecção de imagens. Quando o objetivo da imagem é representar, ou ser um ídolo que vai roubar a adoração devida a somente a Deus, ela é abominável. Porém quando é utilizada ao serviço de Deus, no auxílio à adoração a Deus, ela é uma benção. Vejamos os textos abaixo:
“Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem embaixo da terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque Eu, o Senhor teu Deus, sou zeloso, que visito a maldade dos pais nos filhos até a terceira geração daqueles que me aborrecem.” (Ex 20,4-5)
Note que nesta passagem a função da imagem é roubar a adoração devida somente a Deus. O texto bíblico condena a confecção da imagem porque ela está roubando o culto de adoração ao Senhor. A existência deste mandamento se deve pelo fato do povo judeu ser inclinado à idolatria, por ter vivido no Egito que era uma nação idólatra e por estar cercado de nações pagãs, que não adoravam a Deus, e que construíam seus próprios deuses. Deus quer dizer aqui “não construam deuses para vocês, pois Eu Sou o Deus Único e Verdadeiro”.
“Farás também dois querubins de ouro; de ouro batido os farás, nas duas extremidades do propiciatório. Farás um querubim na extremidade de uma parte, e outro querubim na extremidade de outra parte; de uma só peça com o propiciatório fareis os querubins nas duas extremidades dele.” (Ex 25,18-19)
Neste versículo, Deus ordena a Moisés que construa duas imagens de querubins que serão colocadas em cima da arca-da-aliança, onde estavam as tábuas da lei, dos dez mandamentos. Veja que os querubins aqui não são objetos de adoração, mas de ornamentação da arca. Salomão também manda construir dois querubins de madeira, que serão colocados no altar para enfeitar o templo (1Rs 6,23-29).
Para deixar mais claro ainda a proibição e a permissão do uso das imagens sacras, vejamos os próximos versículos:
“E disse o Senhor a Moisés: Faze uma serpente ardente e põe-na sobre uma haste; e será que viverá todo mordido que olhar para ela. E Moisés fez uma serpente de metal e pô-la sobre uma haste; e era que, mordendo alguma serpente a alguém, olhava para a serpente de metal e ficava vivo.” (Nm 21,8-9)
“Este [Ezequias] tirou os altos, e quebrou as estátuas, e deitou abaixo os bosques e fez em pedaços a serpente de metal que Moisés fizera, porquanto até aquele dia os filhos de Israel lhe queimavam incenso e lhe chamavam Neustã.” (2Rs 18,4)
Note que no primeiro texto de Nm 21,8-9, Deus não só permitiu o uso da imagem, como também a utiliza para o seu serviço; e a transforma em objeto de benção para seu povo, sinal de Seu amor por Israel.
E no segundo texto de 2Rs 18,4 a mesma serpente de metal que outrora foi construída por Moisés, é repudiada por Deus. Tornou-se objeto de adoração pois “os filhos de Israel lhe queimavam insenso”. Deram a ela o culto devido somente a Deus. A Serpente de metal perdeu como nos mostra o texto, o seu sentido original, porque os filhos de Israel “não obedeceram à voz do Senhor, seu Deus; antes, transpassaram seu concerto; e tudo quanto Moisés, servo do Senhor, tinha ordenado, nem o ouviram nem o fizeram.”(2Rs 18,12)
Aí fica mais que claro que Deus não condena o uso das imagens sacras e sim a idolatria. É importante lembrarmos que há muitas outras formas de idolatria, como o amor ao dinheiro, aos bens matérias, etc; que substituem o amor que devemos ter somente por Deus.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Bento XVI sobre Dom Eugênio: "Intrépido pastor, a serviço dos mais desfavorecidos"


O Papa Bento XVI expressou pesar pela morte do Cardeal Eugênio de Araújo Sales, que faleceu na noite de segunda-feira, 9, no Rio de Janeiro.

Leia a íntegra do telegrama enviado ao Arcebispo do Rio, Dom Orani João Tempesta:

Exmo Revmo Dom Orani João Tempesta, Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro
Recebida a triste notícia do falecimento do venerado Cardeal Eugênio de Araújo Sales, depois de uma longa vida de dedicação à Igreja no Brasil, venho exprimir meus pêsames a si e aos bispos auxiliares, ao clero e comunidades religiosas, e aos fiéis da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, que por três décadas teve nele um intrépido pastor, revelando-se autêntica testemunha do evangelho no meio do seu povo. Dou graças ao Senhor por ter dado à Igreja tão generoso pastor que, nos seus quase setenta anos de sacerdócio e cinquenta e oito de episcopado, procurou apontar a todos a senda da verdade na caridade e do serviço à comunidade, em permanente atenção pelos mais desfavorecidos, na fidelidade ao seu lema episcopal: “impendam et superimpendar” (gastarei e gastar-me-ei por inteiro por vós). Enquanto elevo fervorosas preces para que Deus acolha na sua felicidade eterna este seu servo bom e fiel, envio a essa comunidade arquidiocesana, que lamenta perda dessa admirada figura, à Igreja no Brasil, que nele sempre teve um seguro ponto de referência e de fidelidade à Sé Apostólica, e a quantos tomam parte nos sufrágios animados pela esperança da ressurreição, uma confortadora bênção apostólica.

Benedictus PP. XVI

terça-feira, 10 de julho de 2012


Os mortos estão dormindo?

E o pó volte à terra, como era, e o espírito volte a Deus que o deu” (Ecl 12,7).

Introdução

Nos tempos da Idade Média, um pequeno grupo ensinava uma doutrina que ficou conhecida como Psicopaniquia, isto é, sono da alma após a morte. Nos tempos da Reforma Protestante, os Anabatistas retomaram esta doutrina. Com o fim dos Anabatistas, a Psicopaniquia, retornou aos círculos cristãos com o surgimento dos Adventistas do Sétimo Dia. Esta doutrina nega que o homem seja formado por alma espiritual e corpo material, reduzindo o homem a um corpo que é animado ou mantido somente por funções orgânicas. Veremos se tal postulado encontra amparo nas Sagradas Escrituras e na Tradição dos Apóstolos.

A realidade dualística do homem

No livro do Gênesis encontramos a história da criação do mundo e dos seres viventes. Diz o Gênesis que "O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente" (Gn 2,7) (grifos meus).

Neste versículo encontramos a primeira prova da natureza dualística do homem: a carne formada ?do barro da terra? e seu espírito que é "um sopro de vida". Somente depois de dadas as duas coisas, diz o Gênesis que "o homem se tornou um ser vivente".

Com efeito, sopro em hebraico é "nashamah". É a mesma palavra usada no Deuteronômio onde lemos: "Quanto às cidades daqueles povos cuja possessão te dá o Senhor, teu Deus, não deixarás nelas alma viva [nashamah]" (Dt 20,16). Ver também 1 Reis 15,29.

Muitos são os exemplos na Escritura onde "nashmah" denota claramente o espírito que Deus deu ao homem, infiltrado no corpo humano através das suas narinas (cf. Gn 2,7) no momento da criação.

A inteligência da alma

Não é por acaso que a Psicologia estuda as faculdades intelectuais humanas. A palavra que no português conhecemos por "alma" não existe no hebraico. "Alma" vem do grego "psychein" que significa "soprar". Deste verbo grego vem a palavra "psique" que significa "sopro", que é raiz da palavra "psicologia".

A etimologia da palavra "psicologia" nos remete à inteligência presente no espírito humano ("sopro"), pela qual recebemos nossas faculdades intelectuais.

Com efeito, a própria Revelação de Deus mostra que é pelo seu espírito que o homem possui inteligência, conforme vimos em Prov 20,27. A mesma verdade encontramos em Jó: "mas é o Espírito de Deus no homem, e um sopro [nashmah] do Todo-poderoso que torna inteligente" (Job 32,8).

Embora as faculdades do corpo como tato, olfato, audição e visão sejam responsáveis pela nossa interação com o mundo, é pelo espírito que temos inteligência; é dele que vem a nossa razão.

Por isso, sobre o espírito humano escreveu Salomão: "O espírito [nashamah] do homem é uma lâmpada do Senhor: ela penetra os mais íntimos recantos das entranhas" (Prov 20,27).

Concordando com Salomão, São Paulo ao escrever aos Romanos faz a relação entre espírito e razão: "Assim, pois, de um lado, pelo meu espírito, sou submisso à lei de Deus; de outro lado, por minha carne, sou escravo da lei do pecado" (Rm 7,26) (grifos meus).

As referências acima provam que o espírito humano é dotado de faculdades intelectuais.

A consciência dos mortos

Os psicopaniquianos negam a existência da alma. Para eles, homem é como um animal, sem alma, diferindo deste por possuir um cérebro mais evoluído (responsável pelas faculdades intelectuais) e também porque irá ressuscitar no dia do Juízo Final. Como vimos, tal tese é fortemente discordante dos ensinamentos bíblicos sobre o espírito humano.

Há aqueles que acreditam na existência da dualidade humana (espírito e corpo material), mas que ensinam que após a morte, a alma humana está sem consciência, pelo fato de lhe faltar o corpo que lhe comunicam os sentidos.

Primeiramente, como já dissemos, os sentidos comunicam o mundo material com o espírito humano. As faculdades intelectuais da alma independem do corpo. É por esta razão, que a Igreja Católica se opõe à morte dos anacéfalos (crianças que nascem sem cérebro), pois o homem não pode ser reduzido ao corpo, embora sem ele não esteja completo.

Os defensores do sono da alma apresentam os seguintes textos para defender sua tese:

"Enquanto [Jesus] ainda falava, chegou alguém da casa do chefe da sinagoga, anunciando: Tua filha morreu. Para que ainda incomodas o Mestre? Ouvindo Jesus a notícia que era transmitida, dirigiu-se ao chefe da sinagoga: Não temas; crê somente. E não permitiu que ninguém o acompanhasse, senão Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. Ao chegar à casa do chefe da sinagoga, viu o alvoroço e os que estavam chorando e fazendo grandes lamentações. Ele entrou e disse-lhes: Por que todo esse barulho e esses choros? A menina não morreu. Ela está dormindo" (Mc 5,35-39) (grifos meus).

Ver também Mt 9,23-25 e Jo 11,11-14.

Ora, todos hão de concordar que a Sagrada Escritura é coesa em seu ensinamento doutrinal, embora sua letra muitas vezes se apresente contraditória aos olhos humanos. Porém essa contradição é aparente, normalmente quando o texto é lido fora de seu contexto.

È o próprio Cristo que numa parábola ensina que as almas dos falecidos não estão dormindo:

"Havia também um mendigo, por nome Lázaro, todo coberto de chagas, que estava deitado à porta do rico. Ele avidamente desejava matar a fome com as migalhas que caíam da mesa do rico... Até os cães iam lamber-lhe as chagas. Ora, aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado. E estando ele [o rico] nos tormentos do inferno, levantou os olhos e viu, ao longe, Abraão e Lázaro no seu seio. Gritou, então: - Pai Abraão, compadece-te de mim e manda Lázaro que molhe em água a ponta de seu dedo, a fim de me refrescar a língua, pois sou cruelmente atormentado nestas chamas. Abraão, porém, replicou: - Filho, lembra-te de que recebeste teus bens em vida, mas Lázaro, males; por isso ele agora aqui é consolado, mas tu estás em tormento. Além de tudo, há entre nós e vós um grande abismo, de maneira que, os que querem passar daqui para vós, não o podem, nem os de lá passar para cá. O rico disse: - Rogo-te então, pai, que mandes Lázaro à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, para lhes testemunhar, que não aconteça virem também eles parar neste lugar de tormentos. Abraão respondeu: - Eles lá têm Moisés e os profetas; ouçam-nos! O rico replicou: - Não, pai Abraão; mas se for a eles algum dos mortos, arrepender-se-ão. Abraão respondeu-lhe: - Se não ouvirem a Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite algum dos mortos " (Lc 16,20-31) (grifos meus).

Conforme o ensinamento do Senhor, aqueles que morrem na amizade de Deus são levados "pelos anjos ao seio de Abraão", isto é, para o lugar dos justos. Enquanto os que morreram na inimizade de Deus estão "nos tormentos do inferno".

O diálogo que há entre Abraão, Lázaro e o rico, mostra a consciência das almas após a morte, caso contrário não estariam dialogando.

Devemos nos lembrar que Jesus após a morte foi pregar o Evangelho às pessoas que morreram no tempo de Noé:

"Pois também Cristo morreu uma vez pelos nossos pecados - o Justo pelos injustos - para nos conduzir a Deus. Padeceu a morte em sua carne, mas foi vivificado quanto ao espírito. É neste mesmo espírito que ele foi pregar aos espíritos que eram detidos no cárcere, àqueles que outrora, nos dias de Noé, tinham sido rebeldes, quando Deus aguardava com paciência, enquanto se edificava a arca, na qual poucas pessoas, isto é, apenas oito se salvaram através da água" (1Pe 3,18-20).

Ora, se a alma não existe ou está dormindo não faria o menor sentido Jesus ir pregar para elas, já que segundo nossos contendores, o homem após a morte só pode esperar a ressurreição. Temos provas da consciência dos mortos também em Ap 6,9-11 e Ap 20,4.

Infortúnio dos ímpios ou sono da alma?

Os adeptos do sono da alma ou da inconsciência dos mortos fundamentam sua tese principalmente nos versículos do Eclesiástico: "Com efeito, os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem mais nada; para eles não há mais recompensa, porque sua lembrança está esquecida" (Ecl 9,5), ou ainda "Tudo que tua mão encontra para fazer, faze-o com todas as tuas faculdades, pois que na região dos mortos, para onde vais, não há mais trabalho, nem ciência, nem inteligência, nem sabedoria" (Ecl 9,10). Para eles estes versículos são prova da inconsciência dos mortos.

Primeiramente, o livro do Eclesiastes trata da reflexão sobre a instabilidade da vida humana e a dúvida sobre o destino tanto dos justos quanto dos ímpios. Com efeito, o assunto tratado neste livro só encontra seu termo no livro da Sabedoria de Salomão, e sem este, o Eclesiastes está incompleto. Assim como a Revelação do Pentateuco encontra seu termo nos livros do tempo dos Juízes (Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel), o Livro da Sabedoria vem completar o que o Eclesiastes introduziu, mas que deixou em aberto.

O Livro da Sabedoria não se encontra nas Bíblias protestantes, isto limita a exposição da Verdade, já que escrevemos não só para católicos e ortodoxos (que aceitam como sagrado este livro), mas para todos os cristãos. Porém, isso não impede nosso trabalho. Pois, assim como os vegetarianos privam seu corpo de certas proteínas por causa de sua abstenção voluntária de carne, mas ainda sim podem ser nutridos por causa das vitaminas presentes nos vegetais; da mesma forma, ainda é possível expormos a Verdade através dos livros consensualmente aceitos. Melhor seria se todos aceitassem todas as fontes de alimento dispostas pelo Senhor, seja espiritual quanto material.

Em segundo lugar, a região dos mortos tratada no livro do Eclesiastes não é o lugar para onde se destinam todos os mortos, mas somente os ímpios. Tal é o testemunho do salmista: ?Minha alma está muito perturbada; vós, porém, Senhor, até quando?... Voltai, Senhor, livrai minha alma; salvai-me, pela vossa bondade. Porque no seio da morte não há quem de vós se lembre; quem vos glorificará na habitação dos mortos?" (Sl 6,3-6) (grifos meus).

Aqui o salmista pode a salvação de Deus (?livrai minha alma, salvai-me?), pois não deseja ter o mesmo destino dos ímpios, que estão longe de Deus e por estarem longe, não podem se lembrar do Senhor e nem glorificá-lo, pois já estão perdidos.

Este mesmo ensino é confirmado em outro salmo: "Acaso vossa bondade é exaltada no sepulcro, ou vossa fidelidade na região dos mortos? Serão nas trevas manifestadas as vossas maravilhas, e vossa bondade na terra do esquecimento?" (Sl 87,12-13) (grifos meus). Como se vê, a ?região dos mortos? na Escritura trata do destino dos ímpios (cf. Sl 9,18; Sl 30,18; Sl 54,16; Sl 87,4; Pr 5,1-5).

Mas, outro é o destino dos justos, conforme nos ensina Salomão: "O sábio escala o caminho da vida, para evitar a descida à morada dos mortos" (Pr 15,24) ou ainda: "Não poupes ao menino a correção: se tu o castigares com a vara, ele não morrerá, castigando-o com a vara, salvarás sua vida da morada dos mortos" (Pr 23,13-14).

Ora, se o justo após a morte não vai para a "região dos mortos" ou "morada dos mortos" para onde vai? Trataremos disto mais à frente, antes é preciso expormos o que significa o "sono" dos mortos do qual se referiu Jesus (cf. Mc 5,35-39; Mt 9,23-25; Jo 11,11-14).

Bem-aventurança dos justos

Quando a Escritura diz que alguém que morreu está dormindo, ou descansando, está se referindo à bem-aventurança alcançada por ter morrido na amizade de Deus, e não porque a alma esteja dormindo.

Na linguagem semítica utilizada pela Bíblia, o prêmio daqueles que permanecem fiéis a Deus é comparado a um descanso.

Os israelitas passaram 40 anos no deserto, após o Senhor tê-los libertado do cativeiro no Egito. Devido à grande murmuração do povo, nem todos chegaram à Terra Prometida. É o que recorda o Salmista:

"Não vos torneis endurecidos como em Meribá, como no dia de Massá no deserto, onde vossos pais me provocaram e me tentaram, apesar de terem visto as minhas obras. Durante quarenta anos desgostou-me aquela geração, e eu disse: É um povo de coração desviado, que não conhece os meus desígnios. Por isso, jurei na minha cólera: Não hão de entrar no lugar do meu repouso" (Sl 94,8-11) (grifos meus).

Também ensinou Isaías: "Aquele que à direita de Moisés atuou com o seu braço glorioso, e dividiu as águas diante dos seus para assegurar-se um renome eterno; e os conduziu através dos abismos, sem tropeçarem, como o cavalo em descampado. Como ao animal que desce ao vale, o espírito do Senhor os levava ao repouso. Foi assim que conduzistes vosso povo, para afirmar vosso glorioso renome" (Is 63,12-14).

O início desta teologia se encontra em Deuteronômio: "Quando tiverdes passado o Jordão e vos tiverdes estabelecido na terra que o Senhor, vosso Deus, vos dá em herança, e ele vos tiver dado repouso, livrando-vos dos inimigos que vos cercam, de sorte que vivais em segurança" (Dt 12,10) (grifos meus).

Povo chegou ao Jordão pelo comando de Josué, sucessor de Moisés. Moisés foi proibido de entrar na Terra Prometida por ter quebrado as primeiras tábuas dos Dez Mandamentos (cf. Ex 32,19; Dt 32,50-52; Dt 34,1-4).

Josué, testemunha em seu livro o cumprimento da promessa do Senhor: "E o Senhor deu-lhes repouso em todo o derredor de sua terra, como tinha jurado a seus pais; nenhum dos seus inimigos pôde resistir-lhes, pois o Senhor entregou-os todos nas suas mãos" (Js 21,44) (grifos meus).

A peregrinação que os Israelitas fizeram no deserto durante 40 anos e a posse da Terra Prometida dada aos fiéis, é figura da nossa peregrinação terrestre, na qual os que vencerem tomarão posse da Pátria do Povo de Deus, isto é, o Céu.

Este é o ensinamento que encontramos na Carta aos Hebreus:

"Se, pois, ele repete: Não entrarão no lugar do meu descanso [cf. Sl 94,11], é sinal de que outros são chamados a entrar nele. E como aqueles a quem primeiro foi anunciada a promessa não entraram por não ter tido a fé, Deus, após muitos anos, por meio de Davi, estabelece um novo dia, um hoje, ao pronunciar as palavras mencionadas: Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais os vossos corações. Se Josué lhes houvesse dado repouso, não teria depois disso falado dum outro dia. Por isso, resta um repouso sabático para o povo de Deus. E quem entrar nesse repouso descansará das suas obras, assim como descansou Deus das suas. Assim, apressemo-nos a entrar neste descanso para não cairmos por nossa vez na mesma incredulidade. Porque a palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração" (Hb 4,5-12) (grifos meus).

O autor chama o prêmio dos justos de "repouso sabático" pois o compara com o descanso de Deus após a criação, que se deu num sábado.

A Carta aos Hebreus, além de confirmar que o sono, repouso ou descanso dos justos é a posse da bem-aventurança, também dá testemunho da realidade dualística do homem: alma e corpo.

O ensinamento desta epístola é confirmado pelo salmista: "Apenas me deito, logo adormeço em paz, porque a segurança de meu repouso vem de vós só, Senhor" (Sl 4,9).

Também ensinou o Profeta Isaías: "Porque aqui está o que disse o Senhor Deus, o Santo de Israel: É na conversão e na calma que está a vossa salvação; é no repouso e na confiança que reside a vossa força" (Is 30,15).

Por isso que Jesus ao ressuscitar a filha do centurião (Mc 5,35-39), a filha do chefe da sinagoga (Mt 9,23-25) e Lázaro (cf. Jo 11,11-14), diz que estão dormindo. Pois, morreram na amizade de Deus. Se fossem ímpios Jesus não os ressuscitaria, pois já estariam perdidos. Mas, antes mortos e agora ressuscitados, serviriam como testemunhas da Majestade de Jesus, tanto por terem visto o Céu quanto por serem ressurretos.

O destino do espírito após a morte do corpo

Veja o que ensina o Salmo: "Este é o destino dos que estultamente em si confiam, tal é o fim dos que só vivem em delícias. Como um rebanho serão postos no lugar dos mortos; a morte é seu pastor e os justos dominarão sobre eles. Depressa desaparecerão suas figuras, a região dos mortos será sua morada. Deus, porém, livrará minha alma da habitação dos mortos, tomando-me consigo" (Sl 48,14-16) (grifos meus).

Como vimos o Salmo ensina que o justo é tomado por Deus, isto é, seu destino é o Céu.

Interessante é também notar que aqueles que citam os versículos 5 e 10 do capítulo 9 do Eclesiástico, parecem que não terminaram de ler esse livro. Com efeito, no último capítulo encontramos a confirmação do ensinamento do salmo 48: "E o pó volte à terra, como era, e o espírito volte a Deus que o deu" (Ecl 12,7) (grifos meus).

Vimos no Gênesis que Deus formou Adão do pó da terra e depois lhe deu o espírito. Segundo o Eclesiastes, o corpo dos mortos (pó) volta à terra e o espírito vai para Deus.

Jesus na parábola do Lázaro e do rico (cf. Lc 16,20-31) ensina que o justo é levado à presença de Deus pelos anjos, enquanto o ímpio é jogado no inferno. Estamos falando do espírito humano, pois os dois ressuscitarão no Dia do Senhor (volta de Cristo); o primeiro para a Glória Eterna, o segundo para o Castigo Eterno.

"Mas, cheio do Espírito Santo, Estêvão fitou o céu e viu a glória de Deus e Jesus de pé à direita de Deus: Eis que vejo, disse ele, os céus abertos e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus. Levantaram então um grande clamor, taparam os ouvidos e todos juntos se atiraram furiosos contra ele. Lançaram-no fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas depuseram os seus mantos aos pés de um moço chamado Saulo. E apedrejavam Estêvão, que orava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito" (At 7,55-59) (grifos meus).

Com efeito, Santo Estêvão sabia que seu espírito não estaria dormindo após sua morte, mas que seria levado a Deus.

São Paulo também ensinou que os espíritos dos justos estão na presença de Deus: "Estamos, repito, cheios de confiança, preferindo ausentar-nos deste corpo para ir habitar junto do Senhor. É também por isso que, vivos ou mortos, nos esforçamos por agradar-lhe" (2 Cor 5,8-9).

Como poderiam os justos esforçarem-se para agradar a Deus após a morte se estivessem dormindo? Ou ainda, como poderiam ausentar-se do corpo e "ir habitar junto do Senhor" se o espírito dos justos não voltassem para Deus que os deu (cf. Ecl 12,7)?

Testemunhos Primitivos

Agora traremos à tona a Memória Cristã, transcrevendo alguns testemunhos primitivos sobre a Fé recebida dos Apóstolos sobre a consciência dos mortos.

?Portanto, supliquemos também nós pelos que se encontram em alguma falha, a fim de que lhe sejam concedias moderação e humildade, e para que cedam, não a nós, e sim à vontade de Deus. Então, quando nos lembrarmos deles com espírito de misericórdia diante de Deus e dos santos, nossa oração produzirá frutos e será perfeita [...]? (Primeira Carta de Clemente aos Coríntios, 56. São Clemente, Papa. 90 d.C) (grifos meus).

São Clemente foi discípulo pessoal de São Paulo (cf. Fl 4,3) e o terceiro sucessor de São Pedro, no Episcopado da Igreja de Roma. Ora, se para os primeiros cristãos os justos estivessem ?dormindo?, ele não pediria aos fiéis para apresentarem suas orações diante de Deus e dos santos.

?Meus espírito se sacrifica por vós, não somente agora, mas também quando eu chegar a Deus [...]? (Carta ao Tralianos, 13. Santo Inácio, Bispo de Antioquia. 107 d.C) (grifos meus).

Santo Inácio foi discípulo pessoal de Pedro e Paulo. Era também chamado pelos antigos cristãos de Teósforo, que significa "Carregado por Deus", por ser a criança que Cristo pega no colo em Mc 9,36. Com efeito, se os Apóstolos Pedro e Paulo tivessem ensinado a Inácio que os mortos ?dormem?, ele não acreditaria que os justos estão diante de Deus intercedendo pelos que ainda não completaram o caminho da vida (cf. Ap 6,9-11; Ap 20,4). Mas, ele não só crê, mas ensina que quando chegar ao Céu estará ainda a serviço de Deus pelos que estão aqui na terra.

"Portanto, eu vos exorto a todos, para que obedeçais à palavra da justiça e sejais constantes em toda a perseverança, que vistes com os próprios olhos, não só nos bem-aventurados Inácio, Zózimo e Rufo, mas ainda em outros que são do vosso meio, no próprio Paulo e nos demais apóstolos. Estejam persuadidos de que nenhum desses correu em vão, mas na fé e na justiça, e que eles estão no lugar que lhes é devido junto ao Senhor, com o qual sofrefram. Eles não amaram este mundo, mas aquele que morreu por nós e que Deus ressuscitou para nós" (Segunda Carta aos Filipenses, 9. São Policarpo, Bispo de Esmirna. 160 d.C) (grifos meus).

São Policarpo, foi discípulo pessoal de São João Apóstolos e segundo a Tradição, instituído pelo próprio São João, Bispo de Esmirna (na Turquia). Assim como São Clemente e Santo Inácio, São Policarpo, outro discípulo pessoal dos apóstolos não ensinou o "sono da alma". Mas que após a morte os justos se encontram "no lugar que lhes é devido junto ao Senhor".

"O Senhor ensinou clarissimamente que as lamas não só perduram sem passar de corpo em corpo, mas conservam imutadas as características dos corpos em que foram colocadas e se lembram das ações que fizeram aqui na terra e daquelas que deixaram de fazer. É o que está escrito na história do rico e de Lázaro que repousava no seio de Abraão. Nela se diz que o rico, depois da morte, conhecia tanto Lázaro como Abraão e que cada um estava no lugar a ele destinado. O rico pedia a Lázaro, ao qual tinha recusado até as migalhas que caíam de sua mesa, que o socorresse; com a sua resposta, Abraão mostrava conhecer não somente Lázaro, mas também o rico e ordenava que aqueles que não quisessem ir para aquele lugar de tormentos escutassem Moisés e os profetas antes de esperar o anúncio de alguém ressuscitado dos mortos. Tudo isso supõe clarissimamente que as almas permanecem, sem passar de corpo em corpo, que possuem as características do ser humano, de sorte que podem ser reconhecidas e que se recordam das coisas daqui de baixo; que também Abraão possuía o dom da profecia e que cada alma recebe o lugar merecido mesmo antes do dia do juízo" (Contra as Heresias, II,34,1. Santo Ireneu, Bispo de Lião. 202 d.C.) (grifos meus).

Santo Ireneu foi discípulo de São Policarpo. Com sua ortodoxia, ele combate de uma só vez os erros da reencarnação, da inconsciência da alma e da negação do juízo particular pelo qual todos passam logo após a morte.

Há muitos outros testemunhos dos discípulos pessoais dos apóstolos, mas transcrevi aqui as palavras daqueles que os antigos consideravam os mais importantes e fiéis à Tradição dos Apóstolos.

Conclusão

A pregação dos Apóstolos é o fundamento da nossa fé, conforme ensinou São Paulo: "Conseqüentemente, já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus" (Ef 2,19-20) (grifos meus).

As Sagradas Letras são pedras que foram bem dispostas conforme a Arquitetura que Cristo confiou a seus Apóstolos, resultando no edifício da Fé. Mas o inimigo promove outro tipo de construção, convencendo muitas pessoas sinceras, pois utiliza as mesmas pedras, porém, com planta diversa daquela deixada pelos Apóstolos.

Ora, os Apóstolos constituíram bispos no mundo inteiro, deixaram seus discípulos para darem continuidade à sua obra. Com efeito, São Paulo ensinou: "Segundo a graça que Deus me deu, como sábio arquiteto lancei o fundamento, mas outro edifica sobre ele" (1 Cor 3,10).

Vimos que os discípulos dos Apóstolos deram continuidade à obra de seus mentores, fundamentando-se na Fé da consciência da alma e não no "sono" desta. Este é o testemunho da Sagrada Escritura e da Memória Cristã.



O QUE SÃO AS INDULGÊNCIAS?

Certa vez, um filho, mesmo conhecendo uma proibição formal do pai, desobedece-o como costuma fazer as crianças travessas. O pai, ao saber do ocorrido, vê-se na contingência de punir o faltoso, ainda que isto lhe seja mais dilacerante do que para o próprio filho. Entretanto, ao ser informada, a mãe pede clemência pelo pequeno traquina. Dado às instâncias maternas, não é verdade que o pai cede, em atenção à misericórdia da esposa? Neste caso, o pai de família concede uma indulgência ao filho, pelo valor da intercessão maternal.

A Indulgência de Deus

A mesma situação pode ser aplicada ao gênero humano, que na pessoa de Adão desobedeceu ao Pai Celeste. Por causa desta transgressão as portas do Paraíso nos foram fechadas e nos tornamos réus de morte. Entretanto, o Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Nosso Senhor Jesus Cristo, conquistou para nós, na Cruz, a misericórdia que não merecíamos. Diante de tamanha intercessão, Deus Pai se dobra amorosamente à vontade do Filho, e poupa ao gênero humano: Deus nos é indulgente, pelo valor da intercessão de Cristo.

Contudo, como é próprio a Deus de tudo fazer com a mais exímia e amorosa excelência, imolou-se Deus Filho num sacrifício perfeitíssimo, consumido no altar da Cruz, oferecendo seu Sangue para nos resgatar. Mesmo sabendo que apenas uma gota de seu sangue adorável seria infinitamente suficiente para remir toda a humanidade, Cristo bebeu até o fim o Cálice amargo da Paixão, e verteu todo o seu Sangue, "ele o derramou - ensina-nos o Papa Clemente VI - não como pequena gota de sangue, que todavia em virtude da união ao Verbo teria sido suficiente para a redenção de todo o gênero humano, mas de modo copioso", expiando assim em superabundância os pecados dos homens. Esta exuberância no sacrifício da Cruz fez transbordar o tesouro dos méritos de Cristo em favor da humanidade. Tal tesouro foi dado à Igreja administrar, para consolo dos pecadores, "e para, por razões piedosas e razoáveis, ser ministrado misericordiosamente aos verdadeiramente penitentes e confessados, para total ou parcial remissão da pena temporal devida pelos pecados".

Notamos, deste modo, que há um tesouro inexaurível comprado por Cristo para ser distribuído aos pecadores, e a este montante devemos ainda acrescentar os méritos da Santíssima Virgem Maria e de todos os justos. Precisamente, quando nos é oferecido, chamamos a este tesouro de indulgência.

Indulgências da Igreja

Como nos ensina o Catecismo da Igreja Católica[3], por indulgência se entende a "remissão, perante Deus, da pena temporal devida aos pecados, cuja culpa já foi apagada; remissão que o fiel devidamente disposto obtém em certas e determinadas condições pela ação da Igreja, a qual, enquanto dispensadora da redenção, distribui e aplica, por sua autoridade, o tesouro das satisfações de Cristo e dos santos".

Notemos que é a Igreja quem, na pessoa de seu pastor, o Papa, nos dispensa este tesouro. Pois, com efeito, no poder que conferiu Nosso Senhor a São Pedro - e a seus sucessores - de abrir ou de fechar as portas do Céu aos homens (Mt 16,19), está contido o poder de retirar todos os obstáculos que impeçam o ingresso de uma alma no Céu. Ora, como sabemos, as penas temporais que restam a uma alma a pagar depois de ter seus pecados perdoados são um obstáculo para seu ingresso na Morada Celeste.

De fato, precisamos estar cientes que o pecado acarreta uma dupla conseqüência. Quando é grave "priva-nos da comunhão com Deus e, portanto, nos torna incapazes da vida eterna; tal privação se chama ‘pena eterna' do pecado"; esta primeira conseqüência é o que comumente se chama de pecado mortal. Mortal, pois mata em nossa alma a caridade, a vida da graça, ao se infringir gravemente a Lei de Deus. Este pecado desvia o homem de seu próprio Criador, fazendo-o preferir e amar mais um bem inferior do que a Deus mesmo. A pena para a alma que morre neste estado, que não aceita o perdão divino, é a condenação eterna, o inferno, pois ela mesma não quererá voltar-se para Deus e pedir-lhe perdão, terá feito uma escolha irreversível de recusa a Deus. A segunda conseqüência é que, qualquer pecado, seja mortal ou venial "acarreta um apego prejudicial às criaturas que exige purificação, quer aqui na terra, quer depois da morte, no ‘purgatório'. Esta purificação liberta da chamada ‘pena temporal' do pecado". Recordemos que o pecado venial não mata a vida Divina na alma, porém enfraquece a caridade e predispõe para o mortal, além de se traduzir pelo apego desordenado às criaturas, que exigirá uma purificação.

No sacramento da penitência, ao ser absolvido, o pecador é perdoado de suas faltas, não está mais privado da comunhão com Deus; porém resta-lhe ser purificado da pena temporal, deste apego prejudicial às criaturas que maculou sua alma. Esta purificação, como vimos, pode se dar após a morte, no Purgatório, ou por uma misericórdia de Deus, ela pode ser apagada ainda nesta vida pelas indulgências, que são o tesouro da satisfação de Cristo. A parcela do tesouro dos méritos de cristo, nós a podemos receber de modo parcial: quando apenas uma parte da pena temporal é apagada; ou de modo plenário: quando ela é apagada inteiramente, é o que se chama de indulgência parcial e indulgência plenária.

Como lucrar indulgências?

Todo fiel pode, desde que cumpra os requisitos necessários, lucrar uma ou várias indulgências num mesmo dia, ou ao longo de sua vida. Contudo, Sua Santidade Paulo VI na Constituição Apostólica Indulgentiarum Doctrina sobre a revisão das indulgências, nos explica os requisitos a serem cumpridos para se receber uma indulgência plenária: "fazer uma obra enriquecida de indulgência e preencher as seguintes três condições: confissão sacramental, comunhão eucarística e oração nas intenções do Sumo Pontífice. Requer-se além disso rejeitar todo o apego ao pecado, qualquer que seja, mesmo venial". Contudo, na falta de algum destes requisitos o fiel pode lucrar uma indulgencia parcial, entretanto, não mais plenária. Para se lucrar uma indulgência parcial requer-se ao fiel que cumpra a obra prescrita para tal.

Papa Paulo VI

No que tange à indulgência plenária, com seu maternal desvelo, a Santa Igreja prevê as dificuldades que poderiam ocorrer para se cumprir, num mesmo dia, todos os requisitos necessários a fim de lucrá-la; desta maneira, anima-nos Sua Santidade Paulo VI: "As três condições podem ser preenchidas em dias diversos, antes ou após a realização da obra prescrita; mas convém que a comunhão e a oração nas intenções do Soberano Pontífice se façam no mesmo dia em que se faz a obra". Outra prova inequívoca da bondade de nossa mãe, a Santa Igreja, é o fato de que nós podemos aplicar as indulgências que lucramos, tanto as parciais, como as plenárias, em sufrágio pelas almas dos defuntos que estão no purgatório.

Antes mesmo de mostrar os modos concretos para se lucrar as indulgências, cumpre lembrarmos um fato que ocorreu com Santa Teresa de Jesus, para vermos a importância que se deve dar às indulgências. Certo dia, extasiada e encantada, pôde a santa contemplar a alma de uma religiosa, falecida naquele instante, e que subia radiante, diretamente para o Céu. O curioso é que a bendita alma rumou para o Céu, sem sequer passar perto do purgatório, sendo que muitos achavam que a falecida era uma freira comum, sem maiores virtudes, e, por conseguinte, com suas falhas, como todos os homens, pois como escreveu São João: "Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós". O fato é que, mais tarde, em um dos colóquios da grande Santa Teresa com Nosso Senhor, o Divino Mestre explicou a ela o motivo do privilégio da freira defunta. Contou o Senhor Jesus que aquela alma sempre teve grande confiança nas indulgências concedidas pela Igreja; e sempre se esforçou para ganhar o maior número delas. Como vemos, a freira soube usar do tesouro que a Igreja maternalmente põe à nossa disposição para, após a morte, irmos diretamente ao Céu.

Como obter uma indulgência parcial?

Após termos visto o que são as indulgências, as disposições e as condições necessárias para recebê-las, concluiremos este artigo vendo quais obras devem ser observadas por um fiel a fim de lucrá-las.

Santa Teresa de Jesus

Se pode lucrar indulgência parcial quando se cumpre seus deveres e se tolera, à imitação de Cristo, as aflições de nossas vidas, elevando a Deus o espírito com alguma piedosa invocação, mesmo que seja apenas em pensamento. Ao alcance de todos, esta indulgência pode ser facilmente recebida. Com efeito, todos nós, em qualquer situação em que nos encontramos - seja o de religioso, casado, solteiro, ou ainda um trabalhador, um estudante, etc... - todos encontramos dificuldades e aflições, cada um em seu âmbito específico, porém ninguém escapa. O que é preciso é elevarmos nossos espírito e oferecer tudo a Deus, seja rezando (por exemplo: Ave-Maria, Pai-Nosso, Credo), seja pensando piedosamente Nele, para lucramos tantas indulgências quanto o número de oferecimentos que fizermos.

Também quando, com espírito de fé e com misericórdia, um fiel dispõe de seus bens, ou ainda de si mesmo, em atenção e serviço aos mais necessitados. Quando excuta uma obra de caridade. Contudo, para que lucre a indulgencia parcial, é preciso que tal obra caritativa esteja mesmo voltada para o serviço dos irmãos mais carentes. Nisto percebemos que mais lucra quem dá do que quem recebe, pois, o que são os bens materiais em comparação com a libertação ou diminuição das penas temporais?

Lucra ainda indulgência parcial o fiel que, espontaneamente, com espírito de penitência, se abstém das coisas que são inteiramente lícitas e agradáveis. Com isto, o fiel é ajudado a refrear suas más inclinações, e, sujeitando seu corpo, se conforma mais estritamente a Cristo. Estes são os pequenos sacrifícios do dia-a-dia, que podemos oferecer a Deus e por amor a Ele nas mais variadas circunstâncias: sendo solícito para com um irmão que nos pede algo que é de si árduo, tendo paciência com os demais, sendo obedientes às autoridades competentes, sobretudo quando nos pedem algo de difícil - porém nunca para algo contrário à moral -, não comendo uma deliciosa sobremesa, etc...

Recebe indulgência parcial, todo fiel que professa publicamente sua fé, quando dá livremente um testemunho de fé diante dos demais, nas circunstâncias particulares da vida no dia-a-dia.

Também outros atos ou orações nos fazem lucrar indulgências parciais, como: a recitação de ladainhas (as devidamente aprovada pela autoridade eclesiástica), o "Creio em Deus", o "Magnificat" (Minha alma engrandece o Senhor, Lc. 46-55), a "Salve Rainha", o "Lembrai-vos ó piíssima Virgem Maria", a oração ao Anjo da Guarda (Santo Anjo do Senhor), o Salmo 50 (Senhor tem piedade, segundo a vossa bondade), o sinal da Cruz, uma comunhão espiritual, visitas breves ao Santíssimo Sacramento para adorá-lo, entre outras orações. O mesmo para os fiéis que portam devota e religiosamente alguns objetos de piedade, como: crucifixo, cruz, terço, escapulário, medalha. Note-se que estes objetos devem estar validamente abençoado. Entretanto, se o objeto foi bento pelo Santo Padre, o Papa, ou por um bispo, o fiel que o porta devotamente obterá uma indulgência plenária, no dia da festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo (29 de junho), sendo preciso fazer uma profissão de fé sob forma legítima, como a recitação do "Creio em Deus".


Indulgências plenárias


Há ainda as indulgência ditas plenárias, que, como vimos, apagam totalmente as penas temporais - daí seu valor intrínseco ser maior. Para lucrá-las cumpre também observar os três requisitos que mais acima mencionamos, bem como desapegar-se de todo tipo de pecado. Ganha-se uma indulgência plenária quando:

- Se faz uma adoração ao Santíssimo Sacramento de ao menos meia hora.

- Se faz a leitura das Sagradas Escrituras por ao menos meia hora, com a devida veneração e à maneira de leitura espiritual. Note-se que deve ser um texto aprovado pela autoridade competente. Ao fiel impossibilitado de ler por si, poderá lucrar a indulgência quando outro ler para ele, ou quando ele acompanhar uma leitura da Bíblia em áudio ou em vídeo.

- Se reza o rosário de Nossa Senhora numa igreja, numa capela ou oratório, ou ainda em família ou numa comunidade religiosa.

- Quando se recebe com piedade e devoção a bênção dada pelo Papa, urbi et orbi, para Roma e o mundo, também é válida a bênção que for ouvida na rádio, acompanhada na televisão, ou ainda se for acompanhada mentalmente (mais uma faceta da maternal bondade da Santa Igreja).

- Ao fiel que se dedicar a aprender ou ensinar a reta doutrina cristã. Grande incentivo para crescermos nos conhecimentos Divinos e no amor a Deus.

- Ao fiel que participar piedosamente de uma solene procissão eucarística.

- Ao fiel que, na Sexta-Feira Santa, participar da adoração da Santa Cruz, na solene celebração litúrgica.

- Aos fieis que fazem sua primeira comunhão, e ainda aos que assistem a uma cerimônia de primeira comunhão.

- Ao sacerdote que, no dia marcado, celebra sua primeira Santa Missa, bem como para os fiéis que a assistirem.

- Ao fiel que, na celebração da Vigília Pascal, ou no dia do aniversário de seu batismo, renovar suas promessas batismais por alguma forma legitimamente aprovada[18].

- Há ainda as indulgências plenárias que qualquer um de nós pode receber, porém que são aplicáveis somente às almas do purgatório, quando: visitar devotamente um cemitério entre os dias primeiro e oito de novembro, e lá rezar pelos defuntos. Ou quando no dia dois de novembro (dia dos fiéis defuntos), visitar uma igreja ou um oratório e aí rezar um Creio em Deus e um Pai-Nosso.



O PURGATÓRIO E A ORAÇÃO PELOS MORTOS

Os protestantes dizem que não adianta orar pelos mortos, pois a oração deve ser somente por aqueles que estão em vida. Para entender melhor vamos fazer um resumo do que acontece com os que morrem. Vejamos bem: Os que morrem na graça de Deus se salvam. Vão diretamente ao Céu. Os que rejeitam a Deus como Criador e a Jesus como Salvador durante esta vida e morrem em pecado mortal se condenam. Esta resposta é clara entre Católicos e protestantes.

Mas o que acontece com os que morrem em pecado venial ou que não satisfizeram plenamente por seus pecados? Aí está a diferença entre Católicos e protestantes. Os Católicos acreditam no Purgatório que é um estado por meio do qual, em atenção aos méritos de Cristo, se purificam as almas dos que morreram na graça de Deus, mas que ainda não satisfizeram plenamente por seus pecados.

O Purgatório não é um estado definitivo mas temporário. E ficam neste estado aqueles que ao morrer não estão plenamente purificados das impurezas do pecado, já que no Céu não pode entrar nada que seja impuro (Ap 21, 27). No Purgatório, Deus em sua misericórdia infinita, purificará suas almas. Um exemplo bem claro desta purificação está em (Malaquias 3, 1- 4) onde diz: “Vou mandar o meu mensageiro para preparar o meu caminho. E imediatamente virá ao seu templo o Senhor que buscais, o anjo da aliança que desejais. Ei-lo que vem - diz o Senhor dos exércitos. Quem estará seguro no dia de sua vinda? Quem poderá resistir quando ele aparecer? Porque ele é como o fogo do fundidor, como a lixívia dos lavadeiros. Sentar-se-á para fundir e purificar a prata; purificará os filhos de Levi e os refinará, como se refinam o ouro e a prata; então eles serão para o Senhor aqueles que apresentarão as ofertas como convêm. E a oblação de Judá e de Jerusalém será agradável ao Senhor, como nos dias antigos, como nos anos de outrora”. Se isso não é o Purgatório, o que é então?

Um outro texto Bíblico é o de (1 Pedro 3, 19 ? 20) onde diz: “É neste mesmo espírito que ele foi pregar aos espíritos que eram detidos no cárcere, àqueles que outrora, nos dias de Noé, tinham sido rebeldes, quando Deus aguardava com paciência, enquanto se edificava a arca, na qual poucas pessoas, isto é, apenas oito se salvaram através da água”. Eis aí o Purgatório novamente!

Mais outro texto é o de (1 Cor 3, 11 ? 15) onde diz: “Quanto ao fundamento, ninguém pode pôr outro diverso daquele que já foi posto: Jesus Cristo”. “Agora, se alguém edifica sobre este fundamento, com ouro, ou com prata, ou com pedras preciosas, com madeira, ou com feno, ou com palha, a obra de cada um aparecerá. O dia (do julgamento) demonstrá-lo-á. Será descoberto pelo fogo; o fogo provará o que vale o trabalho de cada um. Se a construção resistir, o construtor receberá a recompensa. Se pegar fogo, arcará com os danos. Ele será salvo, porém passando de alguma maneira através do fogo”.

Quanto à duração do Purgatório podemos dizer que depois que Jesus vier pela segunda vez e se puser fim à história da humanidade, o Purgatório deixará de existir e só haverá Céu e Inferno.

Para os Católicos pode-se oferecer orações, sacrifícios e Missas pelos mortos, para que suas almas sejam purificadas de seus pecados e possam entrar quanto antes na glória e gozar da presença Divina. Um outro exemplo que está na Bíblia é o de (2 Macabeus 12, 43-46) onde se diz: “Em seguida, fez uma coleta, enviando a Jerusalém cerca de dez mil dracmas, para que se oferecesse um sacrifício pelos pecados: belo e santo modo de agir, decorrente de sua crença na ressurreição, porque, se ele não julgasse que os mortos ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles. Mas, se ele acreditava que uma bela recompensa aguarda os que morrem piedosamente, era esse um bom e religioso pensamento; eis por que ele pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres de suas faltas”.

Mesmo mostrando dentro da Bíblia que existe o purgatório, os protestantes insistem em que esta palavra é uma invenção da Igreja Católica. Nós argumentamos que tampouco está na Bíblia a palavra "ENCARNAÇÃO" e, no entanto, todos cremos nela. Tampouco está a palavra “TRINDADE” e todos, Católicos e Protestantes, crêem neste Mistério. Portanto a argumentação dos protestantes que não existe a palavra “Purgatório” está equivocada.

Em definitivo, o porque desta diferença é muito simples. Eles só admitem a Bíblia, em compensação para os Católicos, a Bíblia não é a única fonte de revelação. Os Católicos tem a Bíblia e a Tradição, isto é, se uma verdade foi acreditada de modo sustentado e ininterrupto desde Jesus Cristo até nossos dias é que é dogma de fé e porque o povo de Deus em sua totalidade não pode equivocar-se em matéria de fé, porque o Senhor se comprometeu com sua assistência. Uma prova disso, é que, podemos mostrar que a partir dos primeiros Cristãos do Século I em diante, eles já oravam por seus mortos. É só verificar nas catacumbas ou cemitérios dos primeiros Cristãos os escritos esculpidos com muitas orações pelos falecidos.

Caríssimos irmãos! Podemos e devemos fazer orações e sacrifícios pelos mortos. Devemos rezar por todas as almas, porque não sabemos com certeza, quais estejam realmente precisando, e em condições de receber o mérito impretatório das nossas orações e sacrifícios oferecidos a Deus por elas. Estes, e sobretudo as Santas Missas que fizemos celebrar, não ficarão sem efeito. Pois Deus saberá aplicá-los às almas que mais estiverem precisando, além de ser para nós, ocasião de prestarmos a Deus as homenagens que Lhe devemos.

COMO ENCONTRAR JESUS NA ARIDEZ


I - O paradoxo da Sagrada Família


Uma bela metáfora oriental, relatada pelo presbítero Hesíquio de Jerusalém (séc. V), narra que a Santíssima Trindade estaria num verdadeiro impasse, por serem as três Pessoas totalmente iguais. E seria preciso haver algum acontecimento pelo qual o Pai pudesse ser louvado enquanto pai, o Filho ser inteiramente filho, e o Espírito Santo dar mais ainda do que já havia dado. Nessa dificuldade, a solução teria surgido no momento em que Nossa Senhora aceitou a encarnação do Verbo em seu virginal corpo, tornando-Se, deste modo, o "complemento da Santíssima Trindade".1

Para a realização de tão grande mistério, "Deus Pai transmitiu a Maria sua fecundidade, na medida em que a podia receber uma simples criatura, para que Ela pudesse produzir o seu Filho e todos os membros de seu Corpo Místico", afirma o grande São Luís Grignion de Montfort.2 E o "Espírito Santo, que era estéril em Deus, isto é, não produzia outra pessoa divina, tornou-Se fecundo em Maria. É com Ela, nEla e dEla que Ele produziu sua obra prima, um Deus feito homem, e que produz todos os dias, até o fim do mundo, os predestinados e os membros do corpo deste Chefe adorável".3

Assim, o Filho Se teria feito Homem não só para nos redimir, mas também para, com toda propriedade, poder chamar de pai a Primeira Pessoa Divina. Pois faria isto de dentro da natureza humana, inteiramente como filho e devedor, porque , como homem, deveria a Ele sua existência e, portanto, teria obrigação de restituir-Lhe o que dEle recebeu.


Eis o motivo pelo qual, segundo Hesíquio, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade aniquilou- Se a Si mesma, fazendo-Se semelhante aos homens (cf. Fl 2, 7), e operou, de dentro da natureza humana, a nossa Redenção. Qual novo Adão no Paraíso Terrestre, "encontrou sua liberdade em Se ver aprisionado no seio da Virgem Mãe".4

Quem é mais, manda menos

À primeira vista, a constituição da Sagrada Família é um mistério. Pois nela quem tem mais autoridade é São José, como patriarca e pai, com direito sobre a esposa e sobre o fruto de suas puríssimas entranhas.

A esposa é Mãe de Deus, Mãe da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Sendo Mãe, tem Ela poder sobre um Deus que Se encarnou em Seu seio virginal e Se fez seu filho.

Nosso Senhor Jesus Cristo, como filho, deve obediência a esse pai adotivo, aceitando em tudo a orientação e a formação dada por José; e também à sua Mãe, criatura Sua. Que imenso, insondável e sublime paradoxo!

Assim, na ordem natural, José é o chefe; Maria, a esposa e mãe; e Jesus, a criança. Porém, na ordem sobrenatural, o Menino é o Criador e Redentor; Ela, a Medianeira de todas as graças, Rainha do Céu e da Terra; e José, o Patriarca da Igreja. José, o que de si tem menos poder, exerce a autoridade sobre Nossa Senhora, a qual tem a ciência infusa e a plenitude da graça, e sobre o Menino, que é o Autor da graça.

Deus ama a hierarquia

Por que dispôs Deus essa inversão de papéis?

Assim fez para nos dar uma grande lição: Ele ama a hierarquia e deseja que a sociedade humana seja governada por este princípio, do qual o próprio Verbo Encarnado quis dar exemplo.

Bem podemos imaginar, na pequena Nazaré, a prestatividade, a sacralidade e a calma de Jesus, auxiliando José na carpintaria: serrando madeira, pregando as peças de uma cadeira, quando bastaria um simples ato de vontade Seu, para serem imediatamente produzidos, sem necessidade sequer de matéria prima, os mais esplêndidos móveis, jamais vistos na História.

Entretanto, afirma São Basílio, "obedecendo desde sua infância a seus pais, Se submeteu Jesus humilde e respeitosamente a todo trabalho braçal".5 Assim, logo que São José mandasse - e com que veneração! - o Filho fazer um trabalho, Este Se punha a executá-lo!


Pois agindo dessa maneira - honrando o pai que estava na terra e aceitando, por exemplo, fazer um móvel de acordo com as regras da natureza - dava Jesus mais glória a Deus Pai, que O havia enviado. Afirma São Luís Grignion, a propósito de sua obediência a Nossa Senhora: "Jesus Cristo deu mais glória a Deus submetendo-Se a Maria durante trinta anos, do que se tivesse convertido toda a terra pela realização dos mais estupendos milagres".6

Assim, temos dentro da própria Sagrada Família um impressionante princípio de amor à hierarquia, porque, uma vez que Jesus havia desejado nascer e viver numa família, Ele honrava pai e mãe, mesmo sendo onipotente e o Criador de ambos.

Uma vida de aparência normal

Não devemos supor que na Sagrada Família tudo era absolutamente místico, sobrenatural e pleno de consolações.

Do Menino Jesus não se pode dizer que vivia de fé porque sua alma estava na visão beatífica. Entretanto, quis que seu corpo tivesse o desenvolvimento normal de um ser humano. Assim, por exemplo, não nasceu falando, embora pudesse falar todas as línguas do mundo.

Nossa Senhora e São José levavam também uma vida inteiramente comum na aparência e, como todos os homens, sofreram perplexidades e angústias. Disto nos dá um exemplo o Evangelho deste domingo: "Teu pai e Eu estávamos, angustiados, à tua procura".

II - Verdadeiro Deus e verdadeiro homem

A descrição de São Lucas é a mais minuciosa apresentada pelos Evangelhos a respeito dos trinta anos de vida oculta de Nosso Senhor, junto aos pais, o que leva a supor que o episódio lhe tenha sido relatado pela própria Nossa Senhora.

A Sagrada Família cumpre o preceito

41 "Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa. 42 Quando Ele completou doze anos, subiram para a festa, como de costume".

Três eram as festas - Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos - nas quais os varões judeus tinham o dever de comparecer ao Templo.7 Tendo Jesus completado os doze anos, era obrigado também a fazêlo, pois, como lembra Fillion, ao atingir essa idade todo jovem israelita se tornava "‘filho do preceito' ou ‘filho da Lei', quer dizer, sujeito a todas as prescrições da Lei mosaica, mesmo as mais onerosas, como o jejum e as peregrinações ao Templo".8

De Nazaré a Jerusalém são vários dias de viagem, feita em comitiva, em caravanas, com as estradas apinhadas pelos que iam cumprir o preceito nessas datas. Era costume os peregrinos passarem uma semana em Jerusalém. Assim, segundo descrições feitas por autores da época, como Flávio Josefo, a cidade se tornava intransitável, superlotada de gente por todos os cantos.9

Dirigiu-Se Jesus à Casa de Deus para prestar culto ao Pai. Que magnífica manifestação de amor à hierarquia, que sublime relacionamento entre as Pessoas da Santíssima Trindade! Quanta alegria teria sentido o Filho do Homem ao cumprir esse preceito da Lei mosaica, por ocasião da festa da Páscoa! E vendo o cordeiro, símbolo de Si mesmo, sendo oferecido ao Pai no Templo, deve ter considerado como, ao redimir o gênero humano pelo sacrifício cruento na Cruz, Ele tornaria realidade essa imolação simbólica.

Muito provavelmente caminhou por Jerusalém e fitou com olhos humanos os lugares nos quais Ele iria padecer, e teve um arroubo de amor semelhante àquele "desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco" (Lc 22, 15) que mais tarde manifestaria na Santa Ceia. E Nossa Senhora não O terá acompanhado nesse percurso? Terão discorrido sobre a Paixão? Ignorados pelos homens, eram, contudo, espetáculo para os Anjos do Céu.


Jesus não lhes deu nenhuma explicação

43 "Passados os dias da Páscoa, começaram a viagem de volta, mas o Menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o notassem".

Costumavam os judeus, durante essas viagens, formar duas comitivas, uma de mulheres e outra de homens, e as crianças caminhavam ora com o pai, ora com a mãe. E à noite, pai, mãe e filhos se juntavam para o jantar e algum tempo de convívio antes de cada qual ir descansar.

Assim deve ter sido a vinda para Jerusalém e seria também a viagem de retorno, com a inevitável confusão própria à partida de uma caravana que sai de uma cidade superlotada. Isso explica o fato de que somente no final do primeiro dia, ao se encontrar com São José, Nossa Senhora deu-Se conta do desaparecimento do Menino. Começaram, então, aflitos, a buscá-Lo entre os parentes e conhecidos. Em vão!

Aflição de Maria e José

44 "Pensando que Ele estivesse na caravana, caminharam um dia inteiro. Depois começaram a procurá- Lo entre os parentes e conhecidos. 45 Não O tendo encontrado, voltaram para Jerusalém à sua procura".

Podemos bem calcular a grande dor de Maria e José, atônitos diante desse fato, para o qual não encontravam explicação.

Sabiam que o Messias deveria ensinar toda a Sua doutrina e depois seria condenado à morte. Isto os deixava receosos, como afirma a Glosa, de que "aquilo que Herodes tentara levar a cabo em sua primeira infância, agora, encontrando uma ocasião oportuna, o fizessem outros, matando-O nessa idade".10 Procuravam-No, então, pelo caminho - com que angústia! -, temendo achá-Lo morto.

Ao sofrimento da dúvida sobre a causa do desaparecimento de Jesus, somava-se o da incerteza sobre a ocasião. Como fora acontecer agora? Transida de dor, Nossa Senhora certamente Se lembrava da profecia de Simeão: "Uma espada transpassará a tua alma" (Lc 2, 35).

Preocupação, aflição e angústia, sim, mas numa superior paz de alma. Maria Santíssima talvez Se poria o problema de ser Ela a culpada pelo acontecido, por alguma falta de amor a Deus. A separação do Seu adorável Filho seria, nesse caso, uma divina repreensão. Daí estar Ela na aflição das aflições e sentir no coração a espada de dor! Ela e José talvez julgassem não terem sido dignos da guarda daquele Tesouro, de não terem correspondido à missão que receberam. E isso os deixava em grande desolação.

Nosso Senhor é ávido por dar testemunho

46 "Três dias depois, O encontraram no Templo. Estava sentado no meio dos mestres, escutando e fazendo perguntas. 47 Todos os que ouviam o Menino estavam maravilhados com sua inteligência e respostas".

Constatada a perda de Jesus, Nossa Senhora e São José tiveram de aguardar até o amanhecer para empreender a viagem de volta. Quando chegaram a Jerusalém, anoitecera já novamente; e, assim, só no terceiro dia puderam ir ao Templo. Bem sabia Ela que era esse o lugar mais provável onde achar o Filho.

Quando afinal O encontraram, a Virgem Mãe e São José, absortos pelo sofrimento, nem se deram conta da admiração causada pelo Menino Jesus aos doutores - "maravilhados com sua inteligência e respostas" -, como ressalta o grande exegeta Lagrange: "A aprovação dos doutores seria de molde a lisonjear os pais, e sobretudo teria dado ocasião à doce complacência de uma mãe; mas Maria estava assumida pela dor e tomada de surpresa".11

Diante dos mestres da Lei, o Menino Jesus estava dando testemunho de Sua missão, dezoito anos antes de iniciar Sua vida pública, conforme comenta São Beda: "Para provar que era Deus, respondia-lhes de uma maneira sublime quando O interrogavam".12 Agindo assim, estava ajudando aquelas pessoas a se aperceberem de que chegara a hora do Messias e da libertação do povo judeu. Libertação, não do domínio romano, mas espiritual, em ordem à salvação eterna: as portas do Céu iriam ser abertas!


Maria pergunta com admiração

48 "Ao vê-Lo, seus pais ficaram muito admirados e sua Mãe Lhe disse: ‘Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e Eu estávamos, angustiados, à tua procura'".

A admiração de que nos fala este versículo pode ser entendida em dois sentidos. Primeiro no sentido explicitado por São Tomás de Aquino: estavam eles, em meio aos efeitos, à procura da causa, da razão.13 Segundo, ficaram admirados ao encontrar o Menino cumprindo Sua missão em tão tenra idade e presenciar a manifestação que Ele dava de Si mesmo.

Maria e José dão-nos aqui exemplo de como devemos nos comportar quando a graça sensível se afastar de nós. Antes de tudo, evitar qualquer atitude de revolta; se aconteceu, foi porque Deus quis. São os percalços da vida, os dramas, as dificuldades que a Providência permite para unir-nos mais a Ela. Aceitemos tudo com o mesmo estado de espírito dos pais de Jesus. E quando revirmos Nosso Senhor, teremos também admiração.

Na pergunta feita por Nossa Senhora, não se nota uma manifestação de queixa. Com sua retíssima consciência, Ela demonstra aflição e perplexidade, desejando uma explicação para, assim, melhor servir a Deus. Essa deve ser também nossa atitude, resignada e amorosa, face aos problemas que se nos deparam ao longo da vida.

Resposta segundo a natureza divina

49 "Jesus respondeu: ‘Por que Me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?'".

Em sua pergunta, na qual transparece bem a preocupação de mãe em relação ao filho, a Virgem Maria toma em consideração a natureza humana de Jesus. E Ele, respondendo por meio de outra pergunta chama a atenção para a Sua natureza divina.

Por essa resposta - a qual, segundo Fillion, constituía "o programa de todo o seu ministério" 14 -, podemos conjecturar ter o Menino Jesus instruído Nossa Senhora a respeito de como Ele deveria cumprir a vontade do Pai. E de como esse chamado divino superava qualquer laço de sangue. Ele quis dizer a seus pais terrenos que Sua missão divina estava acima dos vínculos familiares.

Mas, com isso, estaria Ele reprovando Maria e José porque se colocaram como seus pais? São Beda faz um inspirado comentário: "Não os repreende porque O buscam como filho, mas os faz levantar os olhos da alma para verem o que Ele deve Àquele de quem é Filho eterno".15 Jesus Cristo tinha uma missão a cumprir e queria que seus pais terrenos compreendessem que tudo devia se subordinar ao Pai Celeste.

O exemplo de Maria diante do não entender

50 "Eles, porém, não compreenderam as palavras que lhes dissera".

Por que Nossa Senhora e São José não entenderam? Deus não lhes deu luzes para isso naquele momento, a fim de que pudessem ter maior mérito, compreendendo só mais tarde as razões do comportamento do Menino Jesus.

Maria não entendeu as palavras de seu Filho, mas, como se vê no versículo seguinte, conservava no seu coração "todas essas coisas", com amor, sabendo que havia uma lição por do desse episódio.

Essa deve ser nossa atitude em relação a tudo quanto nos transcende e que porventura não consigamos entender em nossa vida espiritual: com paz e confiança, guardar os acontecimentos no coração e refletir sobre eles ao longo do tempo, lembrando- nos da promessa de Nosso Senhor: "O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai vos enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos lembrará tudo o que vos tenho dito" (Jo 14, 26). Mais cedo ou mais tarde, o Espírito Santo nos fará compreender, na medida que isso for útil para nossa santificação e o cumprimento de nossa missão.

Neste episódio, ensina-nos também o Divino Mestre que, por vezes, até nossos parentes podem não entender alguma atitude nossa, de firme decisão de cumprir um dever moral ou religioso. Portanto, se isso acontecer, não nos surpreendamos.

O imenso valor do recolhimento

51 "Jesus desceu então com seus pais para Nazaré, e era-lhes obediente. Sua mãe, porém, conservava no coração todas essas coisas".

Visando provavelmente evitar a interpretação errônea de que, para obedecer ao Pai Eterno, é preciso desobedecer aos pais terrenos, São Lucas, com muita delicadeza, lembra logo a seguir que Nosso Senhor passou o resto da vida submisso a Maria e José. Pois, como afirma São Beda: "O que haveria de fazer o Mestre da virtude, se não cumprir esse dever de piedade? O que haveria de fazer entre nós senão aquilo mesmo que desejava que fizéssemos?".16

Portanto, Ele aceitou que O levassem novamente para Nazaré e continuou a ser-lhes obediente até o início de Sua vida pública, quase duas décadas depois.

O que significaria esse longo período de vida oculta? Bem pode exprimir ele o imenso valor do recolhimento. Jesus, evidentemente, já estava preparado para cumprir a vontade do Pai. Entretanto, depois de afirmar que veio cumprir essa vontade, Ele segue Nossa Senhora e São José, e fica mais dezoito anos na vida oculta e recolhida.

Não esqueçamos, também nós, que o recolhimento, a contemplação e o isolamento são excelentes meios de nos prepararmos para executar bem nossas ações. Nunca houve uma comunidade contemplativa excelsa como a de Nazaré: Jesus, Maria e José! Impossível imaginar algo superior. É por isso que, como lembra o grande teólogo padre Antonio Royo Marín, "alguns Santos Padres se comprazem em dizer que a principal ocupação de Jesus em Nazaré foi a doce tarefa de santificar cada vez mais sua queridíssima Mãe, Maria, e seu pai adotivo, São José. Nada mais sublime, e mais lógico e natural".17

Crescimento em sabedoria, estatura e graça

52 "E Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens".

Santo Agostinho, São Tomás e a generalidade dos teólogos afirmam que Jesus possuía em grau supremo, desde o primeiro instante de sua concepção, a graça, a sabedoria e a santidade.18 E não só as possuía, mas era em substância a Graça, a Sabedoria e a própria Santidade.


No entanto, Ele crescia fisicamente, de ano em ano, tomando configuração de adulto, "mas sem exceder exteriormente as leis gerais do desenvolvimento humano", sublinha Fillion.19 De acordo com a idade, ia Ele manifestando mais a Graça e a Sabedoria. Não Se tornava maior em substância, mas sim em manifestação. Isso, segundo o Doutor Angélico, porque "à medida que avançava em idade, fazia obras mais perfeitas para demonstrar que era verdadeiro homem, tanto no referente a Deus como no tocante aos homens".20

III - Oração e doutrina

Que aplicação tem esta passagem do Evangelho para nossa vida espiritual?

Há momentos de nossa existência nos quais temos a sensação de ter "perdido o Menino Jesus", isto é, com ou sem culpa nossa, a consolação espiritual desaparece e nos sentimos desamparados. O que fazer quando percebemos que estamos sem graças sensíveis, sem aquilo que nos dava ânimo e sustentação para praticar a virtude?

Esta passagem do Evangelho ensina-nos a imitar Maria e José: ir atrás do Menino Jesus, isto é, pôr-se à procura da graça sensível, quando ela se retirar. Quando estivermos aflitos, na aridez, devemos procurar Jesus no Santíssimo Sacramento. Não há nada, absolutamente nada do necessário para nossa santificação que, se pedirmos a Jesus Eucarístico, não acabemos por obter.

Contudo, não nos esqueçamos de que, no Templo, Nosso Senhor estava entre os mestres da Lei, o que bem pode significar a importância da doutrina para nos sustentar na hora da provação. Daí decorre para nós a necessidade de uma boa e sólida formação doutrinária.

Como quem vai fazer uma longa viagem providencia com antecedência documentos, roupas apropriadas e tudo o mais, assim precisamos fazer nós: rezar muito e conhecer bem a doutrina, a fim de estarmos preparados para atravessar os períodos de aridez. Se tivermos os princípios bem vincados na alma, quando bater o vento da provação, as folhas estarão firmes na árvore da Fé.

Por Monsenhor João Clá Dias, E.P.